Família.

639 70 16
                                    


- Que susto, Tico! - Levo a mão ao peito, vendo meu irmão deitado no meu sofá. 

- Desculpa. - Igor se senta, esfregando os olhos. - Tentei te ligar, mas você não me atendeu.

- Estava ocupada. - Jogo a chave da moto na mesa. - Por que você está aqui? Em dia de semana? - Tiro a jaqueta. - Vou começar a cobrar aluguel.

- O de sempre. - Suspira. - O pai e a mãe brigando. - Boceja. - É tão alto que dá pra ouvir em qualquer lugar daquela maldita casa. Acho que a rua inteira escuta. Me admira que nunca chamaram a polícia. 

- Me admira você ainda insistir em morar lá. 

- Alguém tem que segurar as pontas.

- Você segura daqui de casa? - Rio. - Não precisa pegar essa responsabilidade pra você.

- Eu sei, é meu instinto protetor. - Brinca. - Você que me ensinou!

- Eu? - Me jogo no sofá, agarrando uma almofada. - Te ensinei a ser trouxa?

Ele faz um sinal de "pouquinho", juntando a ponta do polegar com a do indicador e eu seguro a mão dele, dando uma mordida fraca. Igor ri e começa a mexer no meu cabelo. Ele é apenas um ano mais novo que eu, mas eu sempre fui muito protetora com ele. Talvez porque soubesse como são nossos pais que, apesar de estarem com a gente diariamente, morando no mesmo teto, nos dando tudo que podiam, não eram exatamente presentes. Graças ao Igor, eu não me sentia tão só ali dentro. E óbvio que eu queria que ele soubesse que também não estava só. 

Tudo que acontecia com ele, era pra mim que ele corria. Segue sendo até hoje. A primeira vez que eu senti atração por uma garota, eu entrei em pânico e me tranquei com ele no quarto. Quando eu contei, parecia que o Igor estava vivendo a descoberta comigo. Ele nunca me julgou, nem falou pra ninguém. Mas, viveu o processo junto. Parecíamos dois perdidos, andando de um lado para outro. Choramos, rimos, choramos de novo. Perguntas, muitas perguntas. Foi ótimo falar tudo em voz alta, refletir sobre, me entender. Nos acalmamos aos poucos. No fim, pedimos uma pizza e comemos na borda da piscina. Ninguém nos questionou nada. 

Isso nos uniu ainda mais. E eu virei sua conselheira. Meu pai tentava conversar com ele, como ele costumava chamar "assuntos de homens", com o peito estufado e voz orgulhosa... Igor dizia que não se sentia a vontade e, quando tentou dar uma chance uma vez, se arrependeu, porque o foco principal virou sexo. 

- Lembra aquele dia que você foi suspensa da escola? 

- Qual deles? - Rio e meu irmão vira os olhos, rindo também.

- Aquele que você bateu no... - Estala os dedos. - Como era mesmo o nome daquele moleque?

- Victor. - Me deito no colo dele. - Óbvio que eu lembro. Nunca vou esquecer que eu fiquei de castigo por semanas por culpa daquele cretino. 

- E eu andava me sentindo o máximo, porque minha irmã era a fodona que me defendia de tudo. - Sorri. - Você meteu medo num grupo inteiro. 

- Estavam mexendo com você há um tempão. - Explico. Ele assente. - Ninguém fazia nada. - Suspiro. 

- Mas, você fez. - Dá os ombros. - O que houve? Por que você ficou séria? 

- A mamãe quase me trucidou vida. - Lembro. - Ela nem mesmo quis saber... - Rio, irônica. - Ela não estava nem aí pro motivo. O medo dela era que as colegas iriam falar sobre sua filha problemática na escola. 

- E falaram... 

- Falaram...

Nós dois ficamos quietos. Igor continua fazendo carinho em meu cabelo, preso em seus próprios pensamentos. A época da escola foi terrível. Minha mãe conseguia controlar cada passo que nós dávamos. A diretora me odiava e eu só não fui expulsa porque ela não podia me expulsar. Ela odiava não poder me expulsar, mas amava todo o dinheiro que meus pais davam a mais para a escola. Diziam que era para ajudar, no entanto todo mundo sabia que era só uma forma para nos manter ali. Me manter ali, pelo menos. O Igor não costumava dar trabalho. Ele era quieto, estudioso, um alvo perfeito para aqueles idiotas riquinhos que também podiam fazer o que quisessem, que a diretora não os expulsariam. Naquela semana, haviam combinado de pegar o Igor depois da aula de educação física para cortar o cabelo do meu irmão, que batia no ombro.

Outro MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora