Lua.

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É fascinante observar a lua crescer em fases.

Acredito que diversas coisas nos conectaram ao decorrer de toda a jornada que caminhamos juntos. Os mais diversos interesses pareciam se misturar e facilmente se tornavam o tema principal dos nossos mais diversos diálogos que poderiam acontecer ao decorrer de um dia.

Apesar disso, também tínhamos nossas diferenças de que alguma forma, conseguiam se entrelaçar. Meu café quente e doce, seu café gelado e quase sem açúcar, os tons quentes do outono e os apagados do inverno, o vinho tinto suave e o whiskey mais envelhecido que você pudesse encontrar.

Nossas particularidades nos uniram mais do que nossos interesses.

Admito que fiquei feliz ao notar que você também parecia apreciar a noite, fosse ela fria ou acalorada. Poucos dias depois de nos mudarmos para o apartamento que hoje é grande demais para apenas uma pessoa, tomei um susto vendo sua silhueta na varanda aberta e ventilada. Ali estava você, observando os outros prédios, em completo silêncio.

Resolvi me manter calada, enquanto você assistia atentamente ao espetáculo lunar, eu te assistia de longe, imersa na imensidão que só encontrei apenas em ti.

Ao se virar, o susto foi certeiro.

— Desculpa. — Pedi rindo baixo, ainda estava acostumada com as paredes finas do local que antes chamava de "casa". — Não consegui resistir.

— Não faça mais isso caso você ainda me ame. — Falou soltando todo o ar que prendeu no pulmão.

— Uma semana não foi o suficiente para decidir que não o amo mais. — Adverti indo em direção à cozinha. — Quer algo? Um chá? Leite morno?

— Fica aqui. — Me chamou mostrando o lugar vago.

Não precisava mais do que isso para entender que você gostaria de dividir aquele pequeno momento comigo. Era sempre assim, ao sermos embalados pelo silêncio, entendemos as mensagens transmitidas em código morse por nossos corações.

Nunca houve a necessidade de mudarmos quem éramos para que conseguíssemos viver juntos. Desde cedo aprendemos sobre a adaptação, não víamos um motivo aparente para a perda de nossas próprias características, afinal, eram elas que faziam com que nos completávamos.

— Quando será o próximo concerto? — Questionei me aproximando, sentindo o calor que sua pele emanava, me sentindo acalentada sem ao menos pedir.

— A temporada vai começar com o inverno. — Começou a explicar sabendo que eu escutava cada palavra que sua voz produzisse. — A companhia espera ajudar com o turismo fazendo shows temáticos e uma parceria com a companhia nacional de balé.

— Me diz que você vai se vestir de soldado quando for tocar Quebra-Nozes. — Brinquei vendo o sorriso que tanto amava enfeitar o rosto pálido.

— Se isso a fizer feliz, posso sugerir. — Deu de ombros numa falha tentativa de fingir que não se importava em ter que usar toda a roupa fantasiosa e maquiagem chamativa.

O tempo poderia correr, mesmo assim eu faria questão de estar presente em todas as apresentações que o tivessem como peça principal. Meus ouvidos não se cansavam de escutar atentamente o dedilhar majestoso do piano, de assistir a técnica inigualável que você tinha.

O assistir tocar era como chegar no céu, mas estar do seu lado nas madrugadas silenciosas era como chegar nas estrelas e me deitar na nuvem para escutar sua melodia escolhida.

— Você lembra da primeira vez que nos vimos? — Me perguntou depois de um curto silêncio.

— Claro que sim, foi um dia inesquecível. — Respondi concordando imediatamente. — Como eu poderia esquecer? Tudo naquele dia o torna inesquecível.

— Então me deixa melhorar o questionamento. — Vi os olhos escuros se fecharem. — O que você achou de mim?

Admito que naquele momento me senti surpresa. Poucas eram as ocasiões onde você trazia perguntas daquele cunho, uma curiosidade sobre as opiniões que eu poderia ter sobre a pessoa que era.

Com o passar do tempo consegui entender que isso acontecia de vez em quando porque você sentia necessidade de reafirmar para si mesmo porque estávamos juntos, tentava entender o que havia sido capaz de me fazer escolher andar ao seu lado.

— Você é como a lua.

— Como a lua. — Te assisti confirmar minha fala, talvez porque no fundo você concordasse.

— Sim, como a lua. — Entrelacei nossos dedos e coloquei sua mão no meu colo, acariciando a pele pálida. — Você se revelou em fases, lentamente e eu não poderia ter pedido por outra coisa. Foi lindo, continua sendo. — Busquei seu olhar.

— Você é linda. — Disparou sem precedentes algum.

— Tudo bem. — Suspirei com um leve sorriso no rosto enquanto virava meu corpo totalmente em direção ao seu. — Me diga logo o que quer.

— Nada. — Vi um sorriso também estampar o rosto. — Você também continua ficando cada vez mais bonita, a cada dia que passa.

— Eu já devo ter linhas de expressão. — Tentei não mostrar como estava ficando envergonhada.

Os anos que estávamos juntos não importavam quando se tratava dos momentos em que sua voz baixa resolvia proferir palavras de carinho e encantamento. Não importava o que já tínhamos vivido, eu não conseguia aceitar que aquilo tudo, todo o amor, todo o cuidado, realmente era para mim.

— Hum, então me deixe ver. — Falou enquanto observava meu rosto minuciosamente. — Não tem absolutamente nada. — Deixou um selar no topo de meus fios. — Acha que os vizinhos reclamariam do piano?

— Acho que todos adorariam acordar ao som dos seus acordes.

— Então vou tocar um pouco para nós. — Avisou já se levantando e dando início a nossa rotina matinal.

Hoje, escuto a tua melodia sentada no mesmo banco que um dia dividimos, observando a lua que já foi testemunha do que fomos.

A poesia que tu és, MYGOnde histórias criam vida. Descubra agora