Este diário pertence à Taís

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Meu Diário

Meu nome é Taís é tenho treze anos. Antes eu não gostava desse nome. Mas a minha vida mudou tanto!

Por isso resolvi escrever este diário, só pra desabafar. Ninguém pode ler além de mim. Tenho um história pra contar que até parece coisa de filme, dê novela ou romance.

No ano passado, quando eu tinha doze anos, estudava numa escola municipal.

Eu gostava da escola, principalmente por causa da merenda.

Nunca teve muita fartura aqui em casa, não. O pai vive de bicos. Ela tá na caixa do Inamps desde que sofreu um acidente: era pedreiro e caiu do andaime. Só que a caixa paga uma miséria, então o pai sai por aí fazendo bicos. Pinta parede, cuida de jardim, essas coisas.

A mãe olha os bebês das vizinhas que trabalham fora.

Ela cobra por mês e olha várias crianças. Ela faz isso agora pra ficar em casa. Antes trabalhava de faxineira, saía cedinho e só voltava de noite. A Vida dela mudou muito também.

Mas deixa eu começar bem do começo. Eu ia na escola, como falei,estava na quinta série. Era até boa aluna, sabe? Tinha umas matérias de que eu não gostava muito, como Matemática. Minha escola tinha sala de leitura. A gente podia ler a vontade e até levar os livros da biblioteca circulante pra casa.

De certa forma, eu era até feliz. Minha vida era ir pra escola, voltar pra casa,preparar a janta pra mãe que chegava,moída de cansaço, esperar o pai voltar do trabalho. Os meus dois irmãos, o Émerson e o Vânderson, iam direto do trabalho pra escola noturna. Eles sempre foram muito esforçados. A mãe vivia dizendo: "cuidado com a má companhia, que por aí tá cheio. Olha, que a polícia atira primeiro e pergunta depois".

A mãe estava coberta de razão. Carecia mesmo tomar muito cuidado. Além da polícia ir atirando logo, confundindo marginal com gente boa, tinha também a turma do Mané Quim, um justiceiro famoso aqui no bairro.

Vou explicar pra você, meu diário, o que é justiceiro. Alguns comerciantes, geralmente da periferia, contratam uns caras, que chamam de e "justiceiros", pra matar os assaltantes de bares, padarias, lojas... Só que, no fundo, os justiceiros são também bandidos e começam a matar a torto e a direito, só por prazer, então, de ouvir dizer: "Aquele é traficante de drogas, o outro rouba carro, aquele assalta casa", e por aí... Então morre gente inocente, como o Zeca dá dona Margarida:ele vinha voltando da escola quando levou um tiro bem no meio da testa, foi confundido com marginal. Não deu nem pra dizer "ai". Ficou jogado no meio da rua, feito cachorro atropelado. E teve outros como ele.

Mas tô desviando o assunto, quero mesmo é falar da minha vida. Eu tinha muitas colegas lá na escola, mas igaa mesmo eram a Deolinda, a Miracê e a Cejana. Todas da minha idade.

A gente vivia colecionando fotos de artistas de cinema, de tevê e de cantores de rock ... Fizemos até um fã clube do nosso cantor preferido. Às vezes, dava pra pegar um cineminha no domingo de tarde, em algum shopping, quando dobrava dinheiro, claro. O que mais a gente fazia mesmo era ver tevê e jogar conversa fora. Ah, também gostava muito de colecionar papel de carta, mas ficou caro de mais --- então nós paramos, porque só dava pra trocar, e coisa repetida perde a graça.

Quase não tenho visto mais a Miracê, a Deolinda e a Cejana. Elas vieram aqui na minha casa poucas vezes. Estou assim meio sem amigas...

As vezes me dá uma saudade do tempo que eu vivia numa boa, da casa pra escola e da escola pra casa... Eu tinha tantos sonhos!

As minhas amigas também. A Miracê queria ser modelo. Eu morria de rir, porque ela é gordinha e baixinha. Mas ela jurava de pé junto que ia fazer regime e crescer... E virar top model de capa de revista, famosa no mundo inteiro, eu que esperasse pra ver.

A Cejana queria ser médica, mas ia ser difícil realizar o sonho, porque a família dela é tão pobre quanto a minha. Cadê dinheiro pra fazer cursinho e conseguir entrar na faculdade? Ela era a mais estudiosa de nós quatro. Dizia que só ia casar depois de formada, e nem queria saber de penca de filhos igual a mãe dela, que tem seis.

Todo mundo me achava bonita, um corpo quase de moça: cabelo comprido, preto e liso, e olhos claros que puxei de um avô, que, dizem, era alemão de olhos azuis. Sou de estatura média, tenho um metro e sessenta, faz tempo que eu me medi na escola. Sabe, meu diário, eu pensava que sabia das coisas e, depois, descobri que não sabia é nada!

O portão do paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora