Túnel.

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Um dia eu vi uma menina, uma mulher. Ela estava sentada num banco de praça como se estivesse esperando alguma coisa, ela olhava constantemente pro celular e depois olhava pros lados, procurando alguma coisa, alguém. Acho que ela ficou ali por uma ou duas horas nessa situação, repetindo os movimentos. Ela coçava a cabeça, até que então ela se levantou com seu vestido preto e se foi, ela sumiu no fundo da rua... Eu ainda cheguei a vê-la umas vezes a mais no mesmo lugar, tinha um semblante cansado mas nos seus grossos lábios tinha um esboço de um sorriso... E de repente, uma lágrima escorregou pelas suas bochechas maquiadas. Eu queria ter falado com ela, pensei em me sentar junto a ela e perguntar, mas eu não conseguia, só conseguia olhar... E mais uma vez ela se foi na mesma direção, usava um vestido longo e com seu habitual preto. Será que estava de luto? Não consegui falar com ela, só olhar... Eu sempre a observar... Dias passaram e eu a vi uma última vez, chovia muito na cidade, ela vagava quase no meio das ruas, com os cabelos e roupas encharcadas, estava de mochila e não estava de preto. Apesar da chuva ter lavado seu rosto eu percebi que ela ainda estava cuidadosamente maquiada. Neste dia eu lhe falei, perguntei se ela precisava de ajuda e ela sorriu e balançou a cabeça negativamente e continuou seu trajeto. E não sei porquê eu me mantive ali em pé, quase que entorpecido com a cena, eu a vi sumir pelos túneis da avenida de Garcia da Orta... Eu nunca mais a vi.
Fui para casa, pois estava molhado também, e minha mente não saia dela. Nunca pude falar com ela de verdade, nunca soube o que ela estava pensando ou sentindo. Talvez eu pudesse ter feito mais por ela, mas agora ela se foi. Tirei minha mochila e minhas roupas e fui tomar um longo banho quente. Aquela mulher nunca mais saiu do meu pensamento mas agora ela se foi, e mesmo com tanta dor na sua face, ela me devolveu um sorriso... Seja pra onde quer que ela tenha ido eu sinto que fui junto, minha maquiagem escorria pelo ralo, e ali estava eu em pé, do jeito que sempre fui. Barba por fazer. Só. Ela se foi pelo túnel.

Viagem ao fundo do fundoOnde histórias criam vida. Descubra agora