DoisDeslocava-me com passos cautelosos, os raios do sol acariciando meu rosto, e a consciência tardia de ter negligenciado o protetor solar acrescentando uma pitada de remorso ao meu dia.
— Se parece como uma boneca vestindo rosa — a voz ecoou atrás de mim.
Marianne, a alma que animava o bar vizinho, servindo destilados aos habituais bêbados do bairro. Com sorrisos generosos, ela tecia elogios a mim sempre podia. Eu nutria um carinho especial por ela.
Mesmo que rosa fosse minha pior cor. Destacava-se em minha pele, pois eu carecia de melanina.
— Você achou mesmo? — eu sorri, e ela assentiu com fervor — obrigada, Mari.
Ao adentrar o depósito de bebidas, meus olhos vasculharam o ambiente à procura da figura de minha mãe. Encontrei-a, aninhada em um canto com uma calma que beirava o alarmante, os pés elevados sobre outra cadeira.
Nosso olhar se cruzou e, naquele instante, uma sombra de preocupação se desenhou em seu rosto.
Era uma expressão que resistia a ser ocultada, ela se via incapaz de esconder algo de mim.— O que foi? Um fantasma te mordeu? — perguntei.
— Mantenha distância dessa mulher, Engel — ela advertiu, seu tom carregado de desgosto, meu sobrenome sendo pronunciado como um alerta frio — Ela está perdida na cocaína.
— Pare de implicar — defendi-a — ela é boa. Uma boa pessoa.
— Todos os dias, mesmo almas boas podem se perder em atos ruins — ela liberou um suspiro pesado.
— O que foi esse suspiro?
— Eu contaria, se não fosse para te embrenhar em trivialidades — ela me pairou, seus olhos abrigando uma carga de incerteza insondável.
— Embrenhar em trivialidades?
Soltei um riso contido, envolta na bruma de onde ela pretendia chegar.
— Esqueça isso. Mas o que tem dentro dessa mochila preta?
— Você esqueceu? — perguntei — estou inscrita em aulas acadêmicas de flexões.
— Seu corpo está se tornando cada vez mais tonificado com essas aulas. Você melhorou.
Você melhorou.
Eu melhorei? Em que exatamente?
Pareço como menos... magra agora?
Despeço-me de minha mãe com um aceno, uma súbita percepção me atingindo de eu deveria ter ido mais cedo.
Meus passos ressoam, vazios, em meio à estranha desolação desta parte da cidade, é calmo e sem uma única pessoa. Uma oscilação sutil percorre minha pele, um arrepio inexplicável provocado não só pela solidão das ruas, mas pelo frio invisível.
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Impure
RomanceAs pessoas, por vezes, murmuram que, quando o coração se mostra imprudente, inclinando-se pelo caminho errado por conta de sentimentos vãos, resta a esperança de que o consciente intervenha, salvando-nos da desventura. Ao menos para mim, falhou mis...