Fernanda Garay estava irritadíssima.
Ela usualmente não ficava assim. Não por bobagens, pelo menos.
Ela tentava, pelo menos na maior parte do tempo, levar a vida com leveza, sorrir nas adversidades, ser gentil em um mundo onde a grande maioria das pessoas era tudo, menos isso.
Mas, naquele momento, tudo aquilo parecia baboseira. Estava puta. Pistola. Irremediavelmente revoltada.
Queria matar alguém.
Ou, mais especificamente, quem quer que tenha mexido na sua necessaire sem pedir e pego seus últimos grampos de cabelo naquele maldito apartamento, naquela maldita Vila Olímpica, naquele maldito país com aquelas malditas camas de papelão e aqueles malditos cobertores finos demais. Naquela maldita competição que, Fernanda não queria admitir, mas estava mexendo com a sua cabeça.
Ela não sabia se estava mais cansada dos protocolos excessivos, ainda que necessários, de cuidados pela pandemia ou da provocação barata que estar em uma seleção desacreditada gerava de outras equipes ou se dos jogos em si. Fato é: estava farta.
E estava especialmente farta de quem quer que fosse que estava pegando seus grampos de cabelo.
Droga, pensou, soltando os cachos que segurava para o alto a fim de prendê-los e se encarando no espelho. Iria jantar com eles soltos.
- O que houve? - questionou Roberta, que ainda estava aninhada sob uma coberta na própria cama, do outro lado do corredor. A porta aberta do quarto que dividia com Fernanda dava de frente com o banheiro compartilhado com o outro quarto, ocupado por Macris e Carolana.
Ela não parecia se importar muito com a grossura dos cobertores ou com a fragilidade da cama de papelão.
Para ser honesta, Fernanda acreditava que Roberta, a doce e brincalhona Roberta, não estava se importando com tantas coisas ultimamente, a não ser com fazer um bom trabalho em quadra. A ponteira invejava sua frieza, mas não seus métodos e muito menos o tamanho do fardo que carregava.
Ser reserva de Macris já não era uma missão nada fácil por si só, tendo que provar para si mesma que era capaz após a temporada de clubes difícil da qual Roberta viera e lidando com seu nome sendo citado por todo o Brasil e entre as colegas de todas as seleções como a pobre jovem traída pelas colegas de time... É, soa a bem pior.
Quase impossível, na verdade, não fosse a resiliência da levantadora.
Garay não era do tipo que duvidava de alguém, mas quando Roberta se apresentou em Saquarema naquele ano... Ela não poderia negar que duvidou um pouquinho. Já havia dado como certa a convocação de Dani no lugar dela, já havia dado como certo que seus sorrisos falsos afetariam mais seu desempenho do que ela deixava transparecer. Já havia dado certo que a desilusão que enfrentara teria mais o gosto amargo de fazer com que perdesse a vaga nas Olimpíadas por pouco. Tão pouco.
Estava feliz que estava enganada.
Dores de amor passam. Felizmente.
- Hein? - chamou Roberta, estalando os dedos de seu lugar na cama.
- Quê? - perguntou Fernanda, levantando as sobrancelhas em sua direção, antes de voltar a encarar o espelho e investir em uma tentativa que, muito provavelmente, seria frustrada de abaixar o frizz que o tempo seco de Tóquio tendia a gerar em seus cabelos pretos.
- O que é uma droga? - Roberta questionou, finalmente jogando a coberta para o lado e se levantando para andar na direção da ponteira, olhando-se no espelho por cima de seu ombros.
Fernanda bufou. Já havia se esquecido que estava irritada e não tinha notado que xingara quem quer que fosse que estava furtando seus grampos em voz alta.
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someplace to go [rosaberta]
FanfictionCinco vezes em que Rosamaria e as meninas da seleção feminina de vôlei ajudaram Roberta e uma vez em que ela pôde retribuir a ajuda. #1 robertaratzke 9.8.23 #2 rosaberta 14.8.23 #7 sfv 1.9.23