Era comum que a maturidade sexual de um ômega fosse comemorada por todas as vilas. Eram raros aqueles que nasciam com esse gênero que era visto como sinal de prosperidade e felicidade para todos os que o cercavam. Quase uma celebridade.
Apesar disso, Kaveh não se considerava assim tão sortudo por se apresentar como ômega. Na verdade tudo aquilo parecia muito assustador desde o momento em que seu corpo começou a mudar, ainda no início da adolescência. Tudo foi tão repentino, tão diferente, tão desconfortável! Ele nunca tinha desejado ser alguém chamativo, só queria viver em paz, ter um trabalho digno, construir família algum dia e repetir o ciclo da vida, mas o destino quis que ele fosse diferente; quis que ele fosse a luz. Ele já sabia bem onde aquilo ia dar.
Ômegas nasciam esporadicamente. Não era algo que você podia dizer "um dos pais é ômega, então o filho certamente será ômega", era imprevisível. Imprevisível e raro. Não raro tipo absolutamente raro, mas raro do tipo "nasce um na vila a cada quinze ou vinte anos". E o destino de todos acabava sendo sempre o mesmo: alguém da família real ficava sabendo e vinha buscar o ômega para se casar com os herdeiros. Não se falava sobre como funcionam as coisas na capital, afinal a maior parte das pessoas nem teria como saber, mas até esse ponto Kaveh tinha certeza que aconteceria. Certamente que já sabiam na capital sobre sua apresentação de gênero desde o início de sua adolescência, e que agora que já chegava aos vinte,tendo passado do período em que era esperada sua maturidade, em breve deveria ser tirado de sua casa, de sua vila, da família que o acolhera nesse mundo, para servir a um propósito maior.
Kaveh, por algum motivo, entretanto, tinha um certo asco da ideia. Ser levado para a capital para servir de esposo pra um Alfa que nem conhecia e que - até onde sabia - podia ser a pior pessoa do mundo, sem nem mesmo ter escolha, era algo que fazia seu estômago revirar e queimar de ânsia. Odiava ser ômega. Odiava ter que ir pra capital. Odiava ter que casar com um bastardo qualquer de berço de ouro.
Mas as coisas mudaram quando aconteceu. Mudaram muito.
A menarca de Kaveh já devia ter acontecido, era esperada entre os dezesseis e dezoito anos, e ele já tinha vinte. A família real estava impaciente na capital, ou ao menos ele imaginava isso, já que mandaram um aviso para o chefe da vila informando que viriam buscá-lo mesmo antes do sinal da maturidade e o ritual deveria ser preparado para a primeira lua cheia a partir dali. Kaveh se sentia cada vez mais ansioso. Por seu próprio bem, esperava que a menarca nunca acontecesse e que pudesse viver em paz na vila, mas agora eles o queriam mesmo assim, "verde", antes de seu corpo dar o sinal de que estava pronto pra aquela merda toda. Droga de vida. Droga de gênero.
Diferente dos ômegas, os alfas nasciam apenas de outros alfas, mas a taxa de mortalidade entre eles era alta por problemas de saúde. "Resultado de muitas gerações de incesto", segundo o pensamento lógico de Kaveh. O que tinha resultado nesse novo sistema, nessas buscas desesperadas de famílias ricas e nobres por ômegas nascidos em castas mais baixas. Kaveh era inteligente o bastante para saber que o único privilégio na vida de ômega naquela situação era ter acesso às coisas que só as pessoas das classes altas poderiam experimentar mesmo sem ter nascido lá. Resumindo: ser ômega só parecia bom para as pessoas da vila porque eram todos pobres. Um ômega nascido rico tinha uma vida considerada bem ruim, já que o maior propósito de sua vida seria gerar filhos para algum alfa bastardo. Ah, já sentia o gosto acre do vômito.
Faltava uma noite para a lua estar cheia quando ele começou a sentir que estava ficando doente. Ótimo, assim pelo menos tinha uma desculpa para adiar ainda mais aquela palhaçada toda. Talvez o alfa fosse um mimado e até desistisse por conta da falta de cortesia do ômega. Internamente era para isso que torcia.
Vivia em sua casa sozinho desde que a mãe tinha se mudado para outra vila após a morte de seu pai alguns anos antes. Kaveh herdara as coisas deles e tinha um trabalho comum, embora fosse um ômega, mas sempre soube que só duraria até o momento de ir para a capital. Quando começou a se sentir estranho, chamou a vizinha e pediu que ela informasse ao chefe da vila que estava terrivelmente indisposto. Ela faria, claro, pois a cara dele estava péssima. Kaveh estava com febre, visivelmente, o rosto vermelho e o suor, a falta de equilíbrio e o mal estar, era óbvio que não poderia performar o ritual daquele jeito - mesmo que nem tivesse ideia de como era o tal ritual, já que só o chefe da vila e as pessoas responsáveis que vinham da cidade sabiam como era. Kaveh sabia que não conseguiria fazer, apenas porque não conseguia fazer nada além de se enrolar em cobertores e chorar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
The Ritual (Haikaveh)
FanfictionHaikaveh week dia 6: tema omegaverse Ser um ômega é visto como uma honra, um sinal de prosperidade e felicidade, mas Kaveh discordava. O medo de não viver uma vida feliz e de não se apaixonar ou não ser correspondido pelo alfa que lhe fosse designad...