Parte I

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Verão de 1926. Restaurante lotado. Moças e rapazes dançando Charleston animadamente. E olhos de Verônica percorrendo o salão em uma busca desesperada.

Ela era uma garota legal, mesmo quando falava demais. Cantava no restaurante nas noites de sábado. Às vezes trabalhava dançando. Tinha mania de fazer essas coisas de artista.

Era uma boneca: seus olhos redondissímos pareciam duas jabuticabas e contrastavam perfeitamente com o seu tom de cabelo, um louro tão claro que era quase branco e tão artificial que parecia que ela nascera com ele.

Os olhos de Verônica cruzaram com os de um outro alguém. Rapaz alto, não muito sério, de terno alinhado. Ela sorriu. Aquele riso tinha um toque de alegria infantil, de alguém que ainda está para revelar uma grande piada que ninguém mais sabe.

Verônica arrastou o rapaz para sua mesa, o colocando na cadeira de frente para ela. Sua refeição estava por terminar, de modo que nenhum garçom havia retirado o prato. Estava ali para algo mais importante do que o almoço. Sua expressão era um misto de preocupação e ansiedade.

- Aí está você - disse como se o homem tivesse surgido naquele minuto.

- É bom ver você também, Verônica. Precisa de alguma ajuda? Parece agitada.

- Agora você me oferece ajuda, Luiz Otávio? - disse entre dentes.

O rapaz olhou para os dois lados discretamente.

- Você pode me dizer o que está acontecendo? - Um pingo de suor escorria por sua nuca.

- Você sabe exatamente! - disse num tom mais alto, olhando para o outro com um ar soberbo.

- Verônica, eu...

- Shhhhh - sibilou colocando o indicador nos lábios do rapaz, que olhou para aquela mão delicada petrificado.

Verônica se afastou lentamente, seus cachos louros balançando e depois voltando para o lugar perfeitamente. Sua companhia acompanhava cada um de seus movimentos sem piscar.

- E pensar que eu te amei tanto... E você só agiu como meu algoz... - dizia levando uma das mãos às têmporas.

- Verônica...

- E te ajudei com tanta coisa! Com os estudos... Com sua mãe...

- Verônica, o que você está fazendo? As pessoas estão começando a olhar!

- Que olhem! Não tenho medo da verdade! - exclamou se levantando - Mas me ameaçar com um bilhete foi um golpe muito baixo!

- O que está acontecendo? - disse com as mãos a cabeça, prestes a se levantar.

- Estou ensaiando para um papel, seu paspalho! - gritou jogando no rapaz folhas de um roteiro.

- E não me avisou por quê?

- Queria sua reação genuína, Ricardo.

- Ah, agora eu sou o Ricardo - comentou irritadiço.

Todos ao redor encaravam, o que fez com que o casal retornasse aos lugares rapidamente, fingindo que nada acontecia.

- E o que achou da minha reação genuína?

- Acho que você parecia um pouquinho assustado, mas só um pouquinho. Gostaria que você parasse de fazer essa coisa estranha com os lábios, relaxa essa mandíbula. E agora que você está com as falas, pode continuar e me responder.

Ele a encarou por um instante.

- Está aí, - ela apontou para o papel - Luís Otávio diz: nunca foi minha intenção assustar você.

- Luiz Otávio diz...

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