Parte 2

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Para @Kanroji_Mitsuri26 , espero que goste :)

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Mais uma vez o inverno chegou e trouxe muita neve junto dele, mais uma vez minhas pernas afundaram até os joelhos, ou talvez menos, afinal eu havia crescido, não muito mas deve ser o suficiente para me locomover melhor.

Além da neve, veio também o dia de promoção na maior feira da vila, assim como no ano passado hoje tudo estaria alguns reais mais barato, na situação em que eu estava era um milagre, não só isso como também, possivelmente, encontraria alguém que passei meses buscando, aquele que para mim era um completo desconhecido, exceto pelo nome, aparência e gentileza. Depois da vez em que trocamos nomes em frente a mesa de pães procurei por aqueles cabelos ruivos incessantemente, todavia não pude os ver, pelo mesmo motivo que não pude nos dias que vieram em seguida.

Um ano completo se passou desde então.

Eu abri minha porta já com os pés cobertos por sapatos desgastados, ela estava pesada, o vendo adentrou minha morada como um cachorro que avistou um pedaço de carne no final do corredor e a neve umideceu o piso de madeira, meu corpo tremeu e senti que meu resfriado pioraria, a minha frente estava uma parede de neve, contudo eu não iria e não queria desistir, não hoje, não no dia em que eu estava explodindo de certeza da presença dele.

Como o esperado, assim que meus dois pés estavam acima da neve eles afundaram e tive a sensação de que haviam congelado no mesmo segundo. Nesses momentos eu lembrava do motivo para sentir inveja das crianças que moravam do outro lado da rua, sempre com bons sapatos e meias quentinhas.

Desta vez a neve não atingiu somente meus joelhos, mas também minhas coxas, admito que agradeci a Buda por certa parte não ter sido tocada por aquele gelo insuportável, coisa que por um centímetro e sorte não aconteceu.

Sim, eu estava... Como dizem? Ferrado, não é? Acho que é isso mesmo, meu vizinho gritou isso para um amigo aos quatro ventos na semana passada quando disseram que a esposa descobriu que ele estava sendo infiel no casamento, de certa forma as situações tinham alguma semelhança, então as associei, entretanto permaneci quieto, aparentemente aquela palavra não era bonita e eu não poderia pronunciá-la, como o tal do amigo do vizinho disse.

Em vez de praguejar, comecei a chorar com lágrimas finas e um pouco quentes.

Tentei me mexer, mas era impossível, eu estava preso, completamente preso, e, então, me veio o desespero quando percebi a neve piorando minha situação. Pela primeira vez senti na pele o'que era estar em uma poça de areia movediça, só que esta era feita de neve. Minhas lágrimas engrossaram e me apressei em procurar por alguém disponível, mas não havia ninguém, e por que haveria? Com aquelas promoções, apenas loucos não iriam até o centro. Mesmo assim eu insisti e comecei a implorar por ajuda a uma boa alma que possuísse o mínimo de pena para com uma criança abandonada por tudo e todos, prestes a conhecer a morte.

Nenhum ser humano veio ou se deu ao trabalho de ao menos cogitar a idéia, fechei meus olhos com força e eles começaram a despejar ainda mais água salgada enquanto eu pensava que aquele seria meu fim.

Ouvi uma voz infantil e familiar chamando pela mãe, no início não dei muita importância, afinal nada mais parecia importar quando se está tão próximo do fim.

De repente senti mãos passarem por baixo de meus braços e me puxaram para cima.

⎯⎯Você está bem, querido?⎯⎯ Uma voz doce questionou, quando abri meus olhos pude ver que era uma moça de olhos roxos gentis e cabelos negros cobertos por um pano branco. Eu nunca havia visto tal rosto e tanta empatia em um olhar direcionado a mim, só ele me fazia querer chorar de tão amável que era. Se não estou enganado, aquela voz não me era estranha, eu apenas não conseguia me lembrar do motivo. Eu respondi a pergunta com um murmúrio, dizendo que sim, agora tudo estava relativamente bem.

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