Camila enfrentou uma longa semana ponderando entre ir ou não ao sexto andar daquele prédio onde Lauren informou que trabalhava. Se quiser conversar, havia dito a mulher. Mas, vamos lá, conversar o quê? Camila se quer sabia se queria ou se precisava de uma conversa com Lauren. Não tinha um assunto. Seus problemas eram coisas de tantos anos atrás... Como poderiam valer algo agora?
De uma ótica distante, agora era quase como se nunca tivesse existido uma briga ou um afastamento explosivo. E pensar que, naquela mesma noite em que reencontrou Lauren, Camila ainda estava com o coração esfarelando por dores de uma década atrás. Que patética!
Decidiu definir todo o sentimento como curiosidade. Era isso. Não havia outra explicação para o sentimento que havia a levado a entrar no tal prédio e subir os seis andares pelas escadas, de forma bem demorada – quase como se estivesse esperando que alguma parte sua desistisse da ação.
Mas o último degrau deu lugar a uma espaçosa recepção, com paredes repletas de fotografias arquitetônicas e vasos com muitas plantas. Parecia bem artístico, com o bom gosto que a antiga amiga sempre carregou. A recepcionista notou a presença da possível 'cliente' e disparou: "Boa tarde! Posso ajudar?".
Um pouco confusa e sem ter treinado nenhum diálogo em sua mente, Camila deixou que as palavras saíssem meio emboladas: "Boa tarde. Eu estou procurando a Lauren Jauregui".
"A senhorita tem horário marcado?", questionou de volta a moça.
"Não, na verdade...". Como poderia explicar? Ah, éramos amigas e ela me chamou para conversar. Aliás, o convite havia sido sério? Ou só uma daquelas propostas feitas por educação? Um daqueles encontros adultos marcados milhões de vezes e que nunca de fato acontecem porque ninguém tem tempo, e realmente, ninguém está com vontade o suficiente?
Não houve tempo para que o cérebro de Camila raciocinasse mais, pois uma voz acabou irrompendo o seu fluxo de pensamento, assim que as portas do elevador se abriram.
"Camila?", a voz de Lauren soou surpresa. Ela vestia uma roupa social, nada tão sério nem tão descolado. "Você aqui?"
Ah... É claro que o convite não era sério! Só era tarde demais para girar nos calcanhares e sair correndo dali. Ou simplesmente dizer que havia errado o andar e, oops, milagrosamente parou no escritório da sua ex-namorada.
"Eu... Vim marcar um..."
Lauren riu, pois nem o tempo ensinou Camila a mentir bem. "Vamos para a minha sala", ela sugeriu. "Remarque o próximo cliente", pediu à secretária.
Ela cheirava tão bem que o rastro do seu perfume ficava pelo caminho. Um daqueles cheiros que vem da pele, dos cabelos, da roupa, da boca... Sem parecer que haviam saído de um vidro de perfume. Era como o cheiro suave de um jardim – refrescante, nunca sufocante.
"Eu não imaginei que você realmente viria", disse Lauren. "Já quase nem lembrava do convite, para ser honesta".
"É, eu... Na verdade eu nem lembrava também. Eu só estava passando e recordei que estava precisando de alguns serviços de...", Camila olhou para os lados, estudando o ambiente, tentando adivinhar o que diabos Lauren fazia. "Imobiliária", chutou, ao se deparar com uma maquete repleta de edifícios.
Lauren soltou uma gargalhada, "Eu sou arquiteta".
"Acho que eu já vou...", com o desejo de se tornar um avestruz e enfiar a cabeça em um buraco no chão, Camila deu as costas, indo em direção à porta.
"Ei, espere", Lauren continuava rindo. "Não me entenda mal. Eu queria que você viesse, apenas... Não achei que realmente viria", ela segurou o pulso de Camila. "Eu até esperei nos primeiros dias... Mas, ah, é claro que você não iria vir... Bom, foi o que eu pensei".
Sem graça, Camila soltou: "Não sei porque eu vim... Curiosidade? Fazia muito tempo que eu não ouvia o seu nome. Ou que tinha alguma notícia sua".
Lauren havia apenas desaparecido. Camila abandonou a faculdade e seguiu para Nova Iorque, onde se dedicou à música. Ela cantou em bares e em teatros. Conseguiu uma vaga em um conservatório e bons contatos na indústria. No próximo ano, Camila iria lançar o seu álbum de estreia e era a grande promessa da produtora.
Seria uma grande mentira se Camila negasse o fato de já ter tentado stalkear a sua ex-amiga nas redes sociais. Lauren era mais uma daquelas pessoas que tinham os perfis completamente fechados e não aceitavam seguidores falsos – não que Camila tivesse feito uma conta fake alguma vez para bisbilhotar.
Quase como se não vivesse, não existisse. Lauren não era presente na internet, o único lugar de onde Camila poderia observá-la. Então ela simplesmente evaporou. Tornou-se apenas uma memória. Tudo agora refletia uma grande surpresa.
No início da faculdade, os planos de Lauren eram seguir as artes visuais... Com o seu talento para os desenhos. Mas arquitetura era legal. Lauren nunca teve a disposição de Camila para viver pulando de hostel em hostel e ter algumas contas atrasadas por falta de trabalho ou, simplesmente, porque arte anônima paga mal.
Mas, diferente da cantora, Lauren nunca deixou de saber por onde Camila andava – não era um grande segredo. Camila tinha um grande canal no YouTube, onde publicava seus covers e canções autorais. Suas redes sociais eram até populares, somando alguns milhares de seguidores. A vida não havia sido de todo mal, é claro.
"Sou alguém normal, Camila, comum... Meu nome não aparece em blogs ou revistas", Lauren jogou o corpo sobre uma poltrona. "Ouvi sua última música... Bem dançante... Com aquele cantorzinho, como se chama, Shawn Mendes?"
A artista deu de ombros, "Foi só uma participação. Ele precisava de uma voz feminina e eu meio que sou uma mulher, então...".
Lauren não tirava o sorriso dos lábios, como se estivesse se divertindo. "Eu gostei! Eu juro... Ouvi isso no carro... Ele é sempre tão animado, só não faz muito o meu tipo de som. Ainda prefiro aquelas músicas que quase ninguém ouve".
"Então você ainda odeia o mainstream", ponderou Camila. "Talvez você me odeie em algum tempo".
A arquiteta apanhou um objeto sobre a sua mesa, que devia fazer parte da maquete, e começou a analisá-lo, antes de pregar os olhos na mulher a sua frente, "Já te odiei por tempo demais".
A garganta de Camila secou, aquela bola de pelos descendo lentamente, um gosto amargo invadindo o paladar, o cabeça começando a queimar, o suor frio brotando na palma das mãos. Elas iriam mesmo tocar nesse assunto?
"Isso é inútil, não acha?" Lauren continuou. "Quando eu te vi naquele fumódromo, foi como se eu tivesse voltado no tempo e te apanhado fumando escondido. Mas percebi que eu não podia mais te dar um sermão ou te salvar. Somos donas das nossas vidas e das nossas decisões. O passado ficou bem longe..."
No fundo, Camila ainda a odiava. Naquele segundo, especialmente, odiava muito. Odiava por ter quebrado o momento confortável e relembrado do passado. Não dava só para ser legal? Jogar conversa fora? Agir como uma amiga comum dos velhos tempos... Camila não teria vontade de voltar ali, seu coração não teria se contraído em dor com lembranças. Seria mais fácil se Lauren fingisse que elas nunca tinham sido nada, como fizera tantas vezes.
Mas ela lembrou. E, o pior, ela havia perdoado Camila, se perdoado e perdoado toda a situação. Havia vomitado o líquido que ainda embrulhava o estômago de Camila. Lauren estava super-bem com tudo e com o presente. E ela não poderia estar mais certa.
Era Camila quem haviase apaixonado pelo próprio sofrimento, em uma tentativa doentia de manter ocoração funcionando. Mesmo que fosse apenas para doer.
~
HEYAY!
Por um acaso relembrei os bons tempos de ficwriter e encontrei o arquivo dessa fanfic - recordei que nunca tinha terminado de publicar ela aqui. Então lá vai.
É homenagialas!