"Camila, concentra." Roger estalou os dedos. "Você prometeu um álbum para esse ano."
"Eu sei," a garota rolou os olhos, "eu cumpro minhas promessas." Apanhou o cigarro na carteira e acendeu, a contragosto do seu agente. "Eu apenas estou... Como se diz? Ah! Sem inspiração."
O homem tossiu, caminhando em direção à saída, "Você deveria parar de fumar, ou então o bloqueio criativo não será seu único problema para emplacar uma música nas rádios." Fechou a porta atrás de si com força.
Camila encarou o cigarro entre os dedos, a fumaça subia, espessa. O cheiro era bom, ao contrário do que o resto do mundo dizia. Trazia junto o cheiro da primavera, da grama verde, do sol quente e do shampoo de Lauren.
Bom, era apenas isso. Lauren continuava a ser a droga que intoxicava Camila, mas, dessa vez, apenas os pulmões. O coração estava fechado para qualquer sentimento que não essa nostalgia.
Foram-se oito anos desde o último adeus ― mas ninguém nunca sabe quando o último é realmente o último. É onde todos nós erramos, esperamos pela próxima vez, e ela pode simplesmente não existir. O ser humano aposta em uma sorte que não cabe a ele... Comete as mais estúpidas bobagens e faz o que todo mundo faz de melhor: falha.
Oito anos... Mas Camila esperou, por um tempo, antes de começar a fumar. Comprou a primeira carteira de um cigarro horrível ― pois não conhecia cigarros e suas marcas e seus sabores e nada disso ― quando percebeu que Lauren não voltaria mais e que, pouco a pouco, as lembranças pareciam se tornar mais e mais escassas. Se engasgou com a fumaça nas primeiras vezes e não achou muito agradável... Logo pegou o jeito.
Não era nenhuma viciada, mas levava um cigarro a boca toda vez que sentia-se ansiosa, ou quando batia a saudade, ou algo remetia aquela-que-já-não-ousava-nomear.
Sabia que tragava substâncias que não eram nada além de porcaria para o seu corpo e que, como supunha Roger, arriscava a saúde das suas cordas vocais e tudo mais. Sabia também, porém, que toda vez que enfiava o cigarro entre os lábios, podia fingir sentir o hálito fresco e com sabor de bala e fumaça ao mesmo tempo. Nada ― nunca ― foi tão agradável ao paladar.
O vício em nicotina era apenas uma desculpa para continuar se viciando nas memórias de um amor que já não tinha em mãos; um amor velho, ultrapassado e cheio de rugas preso no seu peito. Mas o que mais podia fazer? Sem aquilo, nada sentia. Era vazia. E um corpo vazio para nada serve.
Essa vontade interminável de ser muito, de ganhar o mundo, de sentir até as entranhas... Isso era o que fazia de Camila uma artista, uma sentimental, uma suicida no precipício. Vivia dos seus sentimentos, mas, ah!, sentia muito, sentia demais...
Existem amores que nem o coração é capaz de suportar, que textos não traduzem, que músicas não transmitem, que poesias não rimam, que olhares não sintetizam. Existem dores que torturam, existem dores que matam.
A arte era nada mais que isso: ter a coragem de enfrentar a dor da qual todos fogem. Enfiar a mão naquela gosma, tal qual Caio, transformá-la, moldá-la. Fazer desse monstro algo bonito, apreciável, infinito.
Porque amores também podem matar. E dores também tem sua beleza.
Por isso um corpo vazio não servia e nunca serviria. O turbilhão de sentimentos era o impulso para o seu existir, mesmo que pra existir, precisasse sentir pela humanidade inteira, precisasse sofrer, precisasse fumar aquela fumaça toda.
Camila desviou o olhar para o relógio na parede e pôs-se de pé. Apagou o cigarro e arrumou o vestido no corpo. Tinha compromisso.
O interior destruído era pura poesia, e só ― ou era o que todos pensavam. Por fora, Camila era feliz. Era bonita, bem sucedida, promissora... Por fora fumava bem menos, demonstrava bem menos, sentia bem menos.