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I.| Duas Personalidades

Transtorno de Personalidade Múltipla, também conhecido como Perturbação de Identidade Dissociativa. O termo escrito no relatório psiquiátrico de Exypnada explicava a voz que habitava a mente do rapaz, ainda que os psicólogos achassem estranho que Noemosyne só se tivesse manifestado desde o estranho acidente. O distúrbio era conhecido por dar os seus primeiros sinais na infância. Mas o jovem fascinado por tecnologia insistia que o ser com quem partilhava o corpo só lhe surgiria desde o dia em que fora encontrado inanimado deitado no chão do quarto, com o computador numa página estranhamente escrita num código desconhecido. O adolescente seguiu para o hospital, o computador para o arranjo. Exypnada permanecera alguns dias na maca confuso, numa intensa troca de impressões consigo mesmo. O seu coração ameaçara cessar permanentemente o seu ritmo. O seu cérebro informara subtilmente que poderia não superar o enigmático ataque. A família entrara em desespero, afinal passara pouco tempo com o jovem que se autoimpunha o isolamento na divisão que apenas deveria ser utilizada para se entrelaçar nos sonhos mais singulares.

Felizmente, o rapaz manifestou um desejo de continuar a Vida e voltou. Porém, Exy, como lhe chamavam os entes mais próximos, mudara drasticamente. Falava constantemente sozinho, dizia que desde que saíra da ala dos cuidados intensivos a sua cabeça era habitada por mais alguém. Afirmava que esse estranho parasita, por vezes, tomava conta das suas próprias ações e comportamentos, embora fosse educado o suficiente para, na maioria das ocasiões, solicitar a troca de comando.

O diagnóstico veio. Os médicos argumentavam que o rapaz, que estava determinado em ocultar a sua segunda identidade, poderia ter escondido habilidosamente Noemosyne durante todos os anos que precederam o internamento. A situação de vida ou morte era passível de ter causado uma mudança no jovem. Ainda assim, o estado em que o adolescente fora encontrado naquela noite no quarto e os contornos do acidente provocavam interrogações nos pensamentos dos familiares e amigos. Uma descarga elétrica, talvez.

Certo era que Exypnada não tinha a menor recordação do momento. Tudo se apagara da memória, da sua e da do seu amigo imaginário. Nenhum dos dois tinha o mínimo vislumbre do que acontecera naquela misteriosa madrugada.

Os anos passaram-se e o jovem aprendera a conviver com as repreensões de Noemo e os seus comentários irónicos cheios de factos. Parecia que dentro de si vivia um génio sabedor de toda a existência, com um pensamento tão rápido como a luz. Formavam um belo duo.

Exy sentia-se parte de Noemo, e Noemo de Exy. Os dois eram um. Inseparáveis por razões físicas, haviam-se habituado a complementar-se. Com exceção de algumas pessoas mais próximas, eram poucos os que sabiam da existência do segundo ser dentro do rapaz.

- O que será que o Diretor quer de nós?

- Eu não sei, Noemo. Se soubesse, não estava a ir agora para o escritório dele. - Resmungou num sussurro o rapaz.

- Podias ter decidido fazer um pouco de exercício físico. - Retorquiu sarcasticamente o outro. - Estar muitas horas sentado em frente a um computador não é bom, nem para a coluna nem para os olhos.

- Está calado!

- Estás nervoso, Exy. - Constatou o ser interior do jovem.

- Não, eu não estou nervoso. - Mentiu o adolescente, enquanto compunha o cabelo e atravessava apressado inúmeros corredores.

- Estás sim. Sabes que não podes esconder nada de mim, nem eu de ti.

- Sim, estou nervoso. Regra geral, o Diretor só chama os agentes quando fazem asneira. Mas, por favor, está calado! É pedir muito?

- Não, vou já entrar em "modo silêncio absoluto".

- Obrigado! - Agradeceu Exypnada, aborrecido.

O rapaz dobrava rapidamente as esquinas, obrigando os restantes transeuntes a desviar-se daquele comboio descoordenado, que só não alterava o seu passo para corrida por uma questão de compostura. O seu trabalho obrigava-o a ser discreto. Manter-se firme, sem nunca revelar os receios interiores, era uma das principais regras que a Investigar lhe havia ensinado. Portanto, Exy tentava simular a calma mais imperturbável, ainda que aquela ida ao escritório do Diretor o deixasse extremamente desassossegado e incerto do seu futuro.

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