Único.

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Era apenas uma tarde de outono no Soho londrino, desses com ar gelado que queima o rosto e de aparência amena. Na velha livraria e antiquário A.Z Fell, um gentil senhor de cabelos loiros claros andava por todos os lados, guardando seus livros em prateleiras e subindo até mesmo uma longa escadaria para guardar um livro em seu devido lugar. Mas havia algo de incomum no anjo (sim, meu caro, você não leu errado), algo que o deixava mais espontâneo e alegre — mais do que o normal.

Cantarolava uma melodia baixa com a boca, divagando em seus pensamentos pelo guarda-corpo onde se apoiava. Os dedos da mão agora tocavam os óculos de sol que apoiava em um bolso de seu paletó, havia uma nostalgia tão grande naquele simples ato, como se a origem daqueles óculos tivesse datada de muitas eras atrás — quando na verdade, não passava de uma mera noite anterior.

Naquela noite, fora visitado por seu amigo, Crowley, a quem já não via fazia muito tempo. Crowley arquitetara um verdadeiro jantar com uma péssima mentira de causalidade (Aziraphale jamais acreditaria que aquele homem passava pela sua rua casualmente com uma boa garrafa de vinho e um prato para dois para a viagem do seu restaurante favorito, Ritz.) E por uma noite eles beberam e comeram o melhor prato da casa, que por algum milagre continuava quente como se tivesse acabado de ser preparado, mesmo que o trajeto até a livraria levasse uma hora.

Foi durante um grande gole de vinho que Aziraphale percebeu que não estava mais sóbrio. Poderia ter revertido aquilo é claro, afinal não havia milagre longe de seu alcance, mas havia algo de estranhamente bom em não estar sóbrio, e era o fato de que esquecia brevemente sua posição, suas amarras e sua submissão ao seu Lado: os Céus.

Por um pensamento distorcido pelo álcool, o anjo achou que seria divertido tirar os óculos de Crowley, o demônio sentado ao seu lado. Aproximou-se de seu rosto e tirou o óculos apenas para colocar no seu próprio.

"Como eu fico?" Perguntou de forma enrolada.

"Você está... bem!"Mas o que Crowley queria dizer de verdade era: "Você ficou muito bem, mais do que bem, você ficou perfeito! Quer dizer, não que você não seja perfeito, mas o que quero dizer é que você ficou… ótimo!"

Foi com um milagre que o demônio voltou a sobriedade, e logo arranjou uma desculpa descarada para ir embora porta a fora. Nem se deu ao trabalho de pegar os óculos escuros de volta, entrou no carro e tirou um novo de dentro do porta luvas cheio de óculos escuros de lentes redondas.

Aziraphale logo percebeu que havia ficado com o que não era seu. E por mais que soubesse que Crowley não sentiria falta dos óculos, ele iria devolver na sua próxima visita. Mas por ora, eles teriam um novo dono e novos olhos para guardar com suas lentes. Ao passar pela vitrine da livraria, Aziraphale pôde ver rapidamente como ficava bem com os óculos escuros. Talvez Crowley não desse por falta um par de óculos, afinal.

Os Novos Óculos de Aziraphale.Onde histórias criam vida. Descubra agora