Laços de Confiança

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Ele tinha ido embora deixando uma ameaça e um aviso: "Arrume suas coisas até as 06h em ponto. E espere aqui." E sumiu.

Bom, eu sabia que teria que fazer algo, encontrar Davon e contar tudo. Se eu fosse embora sem falar nada, ele arrumaria um jeito impossível de sair de Valmor. Era impossível porque tinha o mesmo sistema da Corte Solar, onde quem entra nunca mais sai. Tinha uma barreira no alto da escada, mas, claro, a barreira não era tão forte quanto a da Corte Solar, por isso Arius entrava e saía quando quisesse com seus poderes. Era também uma maneira de se livrar das pessoas pobres que contaminam Lurys, o que eu achava um merda. Mas, de certa forma, nos acostumamos com isso e nem ligamos mais.

Passei a mão no rosto, prendi o cabelo em coque frouxo e segui até a porta. Tinha que ir até o bar para falar com Devon. Mas quando abri à porta, dei de cara com ele segurando uma mochila nas costas, uma bolsa mágica de utilidades, como se fosse um saco sem fundo, desgastada e bege.

— Eu vou com você — ele disse, segurando as alças.

Sabia que não adiantaria muito contrariá-lo, pois ele era determinado quando queria algo, principalmente quando se tratava de minha segurança.

— Bom, sei que não vai adiantar muita coisa se eu disser não.

Ele veio até mim e me abraçou. Eu me aninhei em seus braços fortes e encostei a cabeça em seu peito. Ele sussurrou:

— Eu te amo mais que tudo, e se isso for importante para você, será para mim, irmã.

Sorri e lembrei da primeira vez que nos vimos.

Sete séculos atrás...

Acordei assustada. Minha asa doía muito. Mas onde eu estava? Olhei ao redor e percebi que estava deitada em uma cama de casal, em um quarto desconhecido. O colchão não era muito confortável, mas o ambiente tinha um toque de elegância, com paredes em tom de esmeralda, piso de madeira polido e um tapete vermelho desbotado no centro.

Sentia uma dor latejante na cabeça, que estava enfaixada. A porta rangeu e eu olhei assustada, pegando um espelho de mão que estava na mesa ao lado.

Um garoto, aparentemente da mesma idade que eu, entrou. Seus cabelos tinham leves ondas que caíam em seu rosto, sua pele era de um tom marrom claro e seus olhos brilhavam como esmeraldas. Ele usava um colete sem mangas, ricamente bordado com fios dourados e prateados, apresentando padrões intricados. Por baixo do colete, ele usava uma camisa branca de mangas bufantes e rendas delicadas nas bordas, adicionando um toque de romantismo ao traje. A cintura era marcada por uma faixa larga de tecido colorido, amarrada de forma elegante e adornada com pequenos enfeites pendurados.

Ele arregalou os olhos e levantou as mãos em rendição, dizendo calmamente:

— Eu não vou te machucar, eu prometo.

Ainda desconfiada, permaneci de joelhos na cama, com uma expressão de raiva, ainda apontando o espelho.

— Eu queria ver se você estava bem. Você ficou desacordada por 5 dias — ele disse, sentando-se no tapete vermelho em forma de borboleta. — Qual é o seu nome?

Foi quando percebi que não me lembrava de nada, nem mesmo meu próprio nome, minha família, minha casa. Eu estava sozinha. Lágrimas escorreram pelo meu rosto e joguei o espelho na cama, abraçando meus joelhos e afundando o rosto neles, molhando minha camisola branca com as lágrimas.

Eu não sabia quem eu era, nem como tinha chegado ali. Senti um movimento na cama e percebi que ele estava sentado na ponta.

— Olha, eu não deveria estar aqui. Ele me disse que você precisava descansar.

Ele quem? Perguntei mentalmente.

— Quer ver uma coisa legal? — ele disse com entusiasmo.

Levantei o rosto e pude vê-lo me encarando. Ele sorriu e fez um gesto com as mãos. Logo, uma fumaça verde brilhante começou a surgir entre elas, revelando a forma de um coelho verde transparente, cheio de fumaça e brilho, que começou a pular ao meu redor no ar.

Eu o perseguia com um sorriso no rosto, e as lágrimas já começavam a secar. Como aquilo era possível?

— É bem legal, né? — ele disse, e o coelho desapareceu. — Pena que não dura muito, ainda estou aprendendo.

Sorri para ele, sentindo-me mais confortável com sua presença.

— Bom, todos me chamam pelo apelido de Cigano. Mas, como você é minha irmã agora, e eu confio muito em você, pode me chamar de Devon.

Não sabia o que estava acontecendo, mas gostei do que ouvi.

— Eu... não me lembro de meu nome — falei um pouco trêmula.

Ele sorriu e disse:

— Vamos com calma, está bom? E pode ficar tranquila, pois eu sempre vou te proteger. — Ele levantou sua mão direita e acrescentou: — Eu te dou a minha palavra.

Uma sensação de segurança tomou conta de mim. Mesmo que eu não lembrasse de quem eu era ou do meu passado, sabia que tinha alguém ao meu lado disposto a me ajudar e proteger. E naquele momento eu sabia que nunca mais estaria sozinha.

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