Parecia acabar de ter entrado em uma substância milagrosa, sentiu suas dores e preocupações serem levadas por ela, permitiu-se sorrir finalmente, estava livre. Não precisava mais chorar, ou rezar para ser feliz algum dia, tudo tinha acabado.
As dores...
Os problemas...
As pessoas que precisavam dele...
Então tudo voltou, pior do que antes, seu corpo inteiro ardia e doía, cada articulação parecia estar sendo espremida e contorcida. Abriu os olhos vagamente, percebendo um lugar escuro com cheiro de mofo. Estava deitado em uma rede, com cobertores o cobrindo, os ergueu para ver sua vergonhosa nudez.
"Suas roupas estão secando." A voz familiar fez seu corpo tremer, virou receoso até ela, vendo o capitão sentado em um banquinho, encostado nas grades da cela, segurava uma cuia cheia.
O loiro tentou não parecer um cachorro faminto quando sentiu o cheiro invadir suas narinas. Mas o moreno pareceu ver uma faísca brilhar em seus olhos. Puxou o tamborete até ficar perto o suficiente.
Na primeira colherada Martín sentiu a madeira da colher em seus dentes. Então sentiu o gosto do caldo, das batatas, das cenouras. Novamente abriu a boca ansioso quando a próxima colher cheia lhe foi servida. Mastigou sentindo seu estômago se expandir e apertar de prazer, apertar até de mais, até começar a girar e doer. Então a terceira colher cheia veio, e teve que mastigar os legumes que já não estavam com um gosto tão bom. Recusou a quarta.
"Coma... Sei que está com fome." O moreno forçou a colher em sua boca.
"Não quero mais..." O loiro desviou o rosto rudemente.
A capitão realmente não estava com paciência para lidar com aquele prisioneiro mimadinho. Segurou suas bochechas, as apertando, enfiando na marra a comida.
O espanhol soltou um barulho de insatisfação, sentindo os olhos marejarem quando engoliu a comida e mais foi forçada em sua boca. Sentia que iria vomitar, o que era estranho, pois sabia que seu estômago estava vazio.
Em um momento de piedade, o mais alto parou de lhe forçar a comida, ficou lhe encarando de cara feia, até que se levantou.
"Descanse, amanhã irei conversar contigo."
Martín o observou ir embora, trancando a cela, tentou se posicionar melhor na rede, qual estava arranhando suas queimaduras do sol, foi então que percebeu vários olhos sobre si. Virou com pavor para ver vários olhos negros lhe encarando, sentiu-se deslocado, eles pareciam estarem zombando de si, todos eles vestidos e quentinhos, livres, enquanto Martín, um loiro de olhos claros, nu e preso em uma cela. Virou emburrado para o outro lado, mesmo estando desconfortável.
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Não estava nada contente em ver seus três jovens emburrados com ele, os tinha proibido de verem o espanhol e mandou que ficassem apenas na cozinha a partir de agora. Pirralhinhos mimados e mal-agradecidos! Lu já tinha aberto a mão de deixar o homem vivo, não merecia receber aqueles olhos de cachorrinhos abandonados. Ele não podia correr o risco de deixarem o espanhol com seus filhos inocentes, tinha medo de o homem coagi-los a responder coisas qual para eles não eram tão importantes, mas quais poderiam acabar com toda sua tripulação.
O que fazia era perigoso e fora da lei, naufragava navegações de grandes potências, se sentia bem salvando os africanos, gostava de ver um brilho de esperança em seus olhos escuros quando Lu os resgatava. Se fossem pegos era tortura até a morte, então defenderia esse navio com todas as forças.
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Eu e você, Valsinha e Lágrimas
Lãng mạnOnde as aparências deixaram de serem importantes quando o amor surge em alto mar, em território inimigo ou apenas em seus lares infames. Onde a raiva e vergonha podem serem apagadas pelo sentimento carinhoso.