Se essa rua, se essa rua fosse minha...

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Haerin não mais se sentia em casa

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Haerin não mais se sentia em casa. Em seu quarto, na sala de aula, na igreja de grandes janelas aonde era obrigada por seu pai a ir aos domingos. Para onde quer que caminhasse, sentia a enorme vontade de dar meia-volta e correr para longe.

E não importa o quão longe, sempre estaria destoando.

Haerin passou a pensar, sobretudo no auge das madrugadas, antes de o sono chegar, que talvez o problema estivesse em si, e não no mundo. Para o deus sobre o qual tanto falavam na missa, aquele onipotente e onipresente, a Kang rezava todas as noites. Não esperava uma resposta, tampouco milagres. A garota apenas pedia que Deus lhe tirasse do mundo enquanto dormia.

Tinha a convicção de que não deixaria saudades para ninguém: sem amigos para convencê-la de que ainda havia tanto a se viver; seu pai choraria por um dia ou dois, logo encontraria consolo nas palavras do padre. O homem não mais teria de gastar fôlego berrando consigo e não mais precisaria culpá-la pela partida da mãe. "Uma despesa a menos 'pra ele" — pensava.

Haerin suplicava em sussurros por uma passagem só de ida ao Paraíso. E, toda manhã, acordava decepcionada por ainda estar no mundo que a rejeitava.

A garota acreditava estar sendo traída pelos anjos da guarda e negada no Céu. Então, saía para caminhar, a fim de esfriar a raiva que esquentava seu corpo.

Não distante da rua onde morava, havia um bosque. Um bosque chamado Solidão; grande o suficiente para fazê-la sentir como a última pessoa viva no planeta. Ninguém ia lá, pois não era bonito e romântico para passeios e piqueniques.

Um lugar solitário. Só dela.

A estrada de terra, sem postes, sem placas, a fazia murmurar. "Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar" — cogitava Haerin toda vez que entrava lá.

O passatempo preferido era divagar; criar novas realidades para que, ao menos mentalmente, ela fugisse da sua. E a capital mundial da imaginação — decretou por conta própria — era no Solidão.

Rotina tornou-se visitar o bosque. Após voltar da escola e almoçar, aos finais de semana, todos os dias, sem falta. De repente, Solidão não era mais um ambiente estranho e novo. Não era mais inabitado.

Seus grandes olhos observavam tudo e todos à volta, e escrevia enciclopédias mentais sobre cada cenário e momento. Algumas áreas do bosque já estavam tão bem mapeadas pelo olhar atento da Kang que nem um vento suave passaria despercebido; nem mesmo a silhueta humana, que tentava se esconder atrás de uma das árvores. Por dois dias seguidos, a silhueta tirou de Haerin a crença temporária de ser a última humana da Terra.

Mas não se incomodou, pois, por mais que quisesse, Solidão não pertencia a ela.

Pensava ser um bêbado, um maconheiro ou um casal assanhado sem dinheiro para um motel. Haerin não se importava, desde que não se aproximasse de si. Até a tarde em que se aproximou.

— Oi... tem horas? — perguntou uma garota, apontando para o próprio pulso.

Se essa rua fosse minha | Daerin (NewJeans)Onde histórias criam vida. Descubra agora