Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante...

185 35 27
                                    

— Ou podia chover diamante

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

— Ou podia chover diamante. Mas não seria muito romântico beijar na chuva... — comentou Dani.

— Em Netuno, chove. Mas acho que meu guarda-chuva de gatinho não ia ser muito útil lá.

— Pedras de brilhante seriam úteis aqui. Imagina essa rua — Danielle apontou para a estrada de terra que atravessava, de ponta a ponta, o bosque Solidão. — toda asfaltada com paralelepípedos cintilantes. — falou sem gaguejar. A garota não gostava de ver Haerin, com seus tênis branquinhos, andar naquele barro. — Eu vou asfaltar Solidão com rubis e esmeraldas 'pra você passar. E seu pai não vai mais brigar por você chegar com os tênis sujos.

Divagavam. A Kang percebia aos poucos o surgir dos pontinhos cintilantes no céu agora escuro, mas preferiu ignorá-los. Virou-se para a amiga e escolheu esquecer que deveria voltar para casa.

— Se Newton não tivesse inventado a gravidade... Hipoteticamente... Você também tem vontade de voar? Tipo, não uma curiosidade boba... querer voar mesmo. — Danielle riu, embora não compartilhasse do desejo da outra. — Às vezes, fico me imaginando sobrevoando a cidade, as fronteiras. Deve ser bom não sentir o chão te prendendo.

— E é. — Haerin continuou encarando a garota, sabia que havia uma história por trás daquela resposta.

— Você é paraquedista? Uma híbrida de humano e bem-te-vi? Ou o quê?

— Na sua igreja, como contam que anjos da guarda são? — Danielle pergunta com um sorriso no rosto.

— Eles não falam muito sobre aparência. Pelas descrições bíblicas, são seres com asas gigantes, muitos olhos e cabeças de animais. Pelas pinturas renascentistas, são brancos, meio musculosos e têm asas não muito grandes.

— Droga, não me encaixo em nenhuma das descrições. Só sou meio branca...

— Se você tivesse asas enormes e cabeças de sapo, eu ia ter certeza de que você é meu anjo da guarda.

— Vai ter de se contentar com um corvo, porque é só nisso que eu consigo me transformar! — Haerin espelhava em seu rosto o sorriso de Danielle. Embora quisesse, não botou fé na confissão divina da amiga.

— Conta outra... Corvos não são animais bíblicos, 'tão mais 'pra pet de góticas. — Danielle levantou ambas mãos, incrédula com a desconfiança de Haerin.

— Pombos são um símbolo de paz e... vejamos... têm um monte de doenças.

— Eu não vejo muitos corvos por aqui. Nunca vi nenhum, na verdade. Mas no centro, principalmente no parque, 'tá cheio de símbolos da paz. Quer dizer que os anjos da guarda abandonaram a cidade?

— Sabe, Haerin, você não é uma observadora tão boa quanto pensa. Não percebeu o pássaro que te segue e observa há meses. Danielle 1, Haerin 0, manézona. — a Kang, então, lembrou das queixas de seu pai sobre de uma "coruja" fazendo ninho na antena parabólica no quintal de casa.

— E como anjos da guarda sabem quando alguém precisa de proteção? — Haerin semicerrou os olhos. — Você consegue ler meus pensamentos?

— Não... só a Princesa e o Príncipe têm poder de telepatia. Mas eu nem preciso de telepatia 'pra saber no que você 'tá pensando.

— Uau, vocês ainda vivem numa monarquia. O capitalismo não chegou no seu mundo? Que inveja!

— É um reino diferente... bem diferente dos daqui.

Haerin foi vencida pelos argumentos empíricos e irrefutáveis da garota celestial. Porém, não se convenceria da natureza de Danielle sem antes interrogá-la incansavelmente. Na igreja, não lhe era permitido fazer perguntas e questionar; com sua amiga, no entanto, poderia sanar suas dúvidas.

— Dani, um anjo da guarda pode morrer?

— Morte morrida ou morte matada?

— Os dois.

— Assassinados, não. Eu nunca tentei morrer 'pra saber, mas a gente ressuscita.

— E morte morrida? Vocês podem pegar, tipo, pneumonia?

— Não. — Danielle sorriu ao imaginar um anjo passando Vick Vaporub no nariz com coriza. — A gente segue algumas regras, sabe? Nossa função nesse mundo...

— Até anjos trabalham? — Haerin interrompeu, franzindo as sobrancelhas em indignação.

— E como! Se a gente violar as leis, tem punição.

— Vocês são mandados 'pro inferno ou o quê? — Danielle negou com a cabeça.

— Ou perdemos a habilidade de mudar de forma, ou viramos humanos.

— Isso, sim, é punição. — Haerin não conseguia pensar num castigo pior. — Se você não pudesse mais mudar de forma, você seria como?

— Corvo. E eu adoraria passar o dia todo assustando bêbados e adolescentes no cemitério.

Haerin olhou para cima; imaginou a cena e rachou o bico.

— Que pecado te faria virar um corvo 'pra sempre? Aderir ao ateísmo?

— Eu sou um anjo da guarda, então meu compromisso é... proteger. Especificamente impedir suicídios. Se eu desistir da minha missão, se eu me tornar indiferente e nunca mais me importar com a angústia dos humanos que não querem mais estar aqui, eu já posso ir escolhendo qual vai ser meu próximo destino... virar um corvo simpático ou uma pessoa, que vai estar sempre presa ao chão.

— É, desistir de ter asas é uma coisa bem burra. Desistir de ser imortal também.

— Eternidade e imortalidade são coisas diferentes. A imortalidade não tem a ver com viver 'pra sempre. Enquanto eu lembrar de quem eu sou, eu vou ser imortal, mesmo que eu peque e vire humana. Se for lembrado, qualquer um pode ser imortal, né?

Haerin balançou a cabeça num "sim". — Pensando assim, também tem o oposto... dá 'pra morrer em vida.

— Conheço vários anjos eternos, mas que não são imortais. E no seu mundo existem vários imortais.

Pela primeira vez em muito tempo, Haerin desejou ganhar a — segundo a descrição de Danielle — imortalidade; queria ser como sua amiga.

— Você desistiria de proteger suicidas algum dia?

Dani negou como se estivesse sendo acusada de um crime. — Tem outro pecado... mais provável de praticar. — falou baixinho.

— Não consigo pensar em nada pior, 'pra um anjo, do que se demitir.

— Se apaixonar por uma humana.

Se essa rua fosse minha | Daerin (NewJeans)Onde histórias criam vida. Descubra agora