Voltas ao Sol

Capítulo 5: Arisco

Voltas ao Sol

Capítulo 5: Arisco

A primeira vez que ouvi falar sobre ele foi numa tarde de verão.

Alguns filhotes chegaram no abrigo contando sobre o encontro com aquele estranho humano que lhes ofereceu comida e os deixou dormir em suas pernas.

A princípio, eu os ouvi do meu lugar e apenas me espichei para limpar meu pêlo com um vago interesse na conversa. Eu queria dizer algo, algum comentário qualquer que acabaria com a felicidade deles e os encheria de medo.

Assim que a ideia veio, no entanto, ela se foi.

Uma coisa que eu aprendi desde que me juntei a eles era que ninguém ali ouvia ninguém.

Ou, pelo menos, não ao gato velho e amargo que sempre ficava sozinho vadiando por Konoha.

Quando eu era jovem, eu costumava ser o maior entusiasta quando se tratava de temer e odiar os humanos, ao ponto de ser insuportável.

Tentava, desesperado, avisar muitas vezes sobre o quão perigosos eles eram. 

Eu tinha até mesmo discursos incríveis sobre como os humanos eram terríveis e deveriam apenas ser usados a uma distância segura para suprir as necessidades que não podíamos conseguir sozinhos.

E não tinha medo de dizer que foram humanos que me abandonaram assim que eu não servia mais e deixei de ser interessante, bonito e saudável. Foram eles que me mutilaram, torturaram e me deixaram para morrer. E era culpa deles que eu estava sozinho, deformado, esperando a morte chegar.

Mas, com o passar dos anos... falar sozinho apenas me calou. Eu apenas estava soando como um lunático obcecado, porque eles não sabiam e nunca passaram pelo que eu passei. 

E eu não poderia culpá-los.

No fim das contas, eu me acorvardei e me calei, eu não queria passar por todo aquele julgamento de novo. 

Apesar do meu conformismo, eu não fiquei entusiasmado quando mais notícias vieram daquele humano depois.

Não no começo, pelo menos.

Não me chamou atenção quando me contaram que ele levou comida úmida deliciosa, todos os dias, no mesmo horário. Nem quando elogiaram o carinho que ele lhes fez atrás das orelhas. Ou quando disseram que ele nunca os tocava a não ser que eles permitissem.

Nada disso era grande coisa para mim.

O que verdadeiramente despertou minha curiosidade por esse humano foi, na verdade, o fato mesquinho de eu ser o único que ainda não o conhecia.

Todos, mesmo os gatos mais tímidos, foram conquistados por ele.

Por quê?

Foi pretendendo descobrir isso que eu saí do meu recanto num dia qualquer daquele verão, desejando apenas observar de longe, despercebido.

Minhas articulações doíam e meus passos eram muito mais lentos que os dos outros, minha pata traseira permanentemente travada e calcificada de uma fratura mal recuperada. Rapidamente fui deixado para trás.

Quando finalmente cheguei, eu o vi.

O humano estava bem ali, agachado de costas para mim, despejando um sachê em um pratinho de alumínio. Os filhotes se juntaram a ele com miados ensurdecedores e famintos. Alguns escalavam seus ombros e ele delicadamente os tirava de sua roupa e os colocava em algum espaço vago ao redor do prato.