• Capítulo III

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  Don Mário Armendáriz era um daqueles homens tradicionais da burguesisa em que a única missão de vida parecia ser a de perpetuar o nome e expandir o patrimônio custe o que custar. Vinha de uma família de industriais que havia enriquecido espantosamente décadas atrás por meio de escusas artimanhas durante a Revolução Industrial.

  Don Armendáriz tinha os olhos de lobo e a eloquência de quem é acostumado a convencer até os homens mais receiosos a colocar dinheiro nas suas empresas e bancos. Era de poucos sorrisos, a não ser quando sócios despreparados lhe apareciam para fazer negócios, nesses momentos ses carisma aflorava fervorosamente, pois sabia que os tinham na palma da mão, assim como o dinheiro deles. Estava acostumado a ser obedecido e não ouvir objeções, lidava com dinheiro tão facilmente quanto as pessoas que pagava para fazer o que ele queria. Seus passos eram pesados e sua postura autoritária como um canhão no fronte de guerra.

  Havia se casado com uma mulher de beleza deslumbrante e sobrenome impronunciável. A senhora Armendáriz possuía uma apreço enorme por jóias mais pesadas do que um pescoço era capaz de carregar e vestidos luxuosos que um guarda roupa interio não serviria para um. Não foi um casamento de amor, raramente o eram. Sua esposa era uma mulher que ao contrário do marido estampava sempre um sorriso falso no rosto, quase um desenho caricato de um sorriso verdadeiro. Quando criança Izabel temia aquele sorriso.

  Tiveram uma única filha, Valentina, a quem Izabel tinha sido amiga quando criança junto com Inês, exploravam os segredos do casarão da família e davam sorrisos frouxos e conversas baixas nos corredores sem temerem nada. Mas o tempo moldou Valentina a imagem espelhada dos pais, da sociedade que ela ansiava participar, tornou-se o que estava destinado antes de nascer. Em um dia ela estava de mãos dadas com Iaabel nos jardins da família, no outro a olhava com o mais profundo desconhecimento, como se Izabel fosse de outro mundo.

  Izabel observava do corredor a porta da sala onde desenrolaria o destino da sua vida. Tão triste e curta foi, pensou.

O casarão era como o sobrenome da família, grande, austero e nobre. Havia muitas histórias sobre aquela casa, sobre o terreno em que foi construído, sobre os seus corredores longos que pareciam dar voltas em torno de si mesmos e as escadarias sinuosas que ligavam os andares. Sabia-se pouco sobre os seus atingos. Izabel quando criança adorava aquele casarão, cada cômodo escondido era um novo mundo a ser explorado, tudo era maravilhoso e novo sob o seu olhar. Izabel acreditara que a casa tinha vida própria e que podia cantar para ela. Passado anos desde a sua infância

Mas não mais havia o frescor da beleza de outrora, a casa perdia-se um pouco a cada dia, cada hora, os ponteiros dos inúmeros e grandiosos relógios nas paredes estavam em contagem regressiva.

Antes havia os bailes, os banquetes extravagantes, via-se pessoas de todos os tipos, havia a música e as valsas. Mulheres no esplendor dos seus vestidos e Izabel sonhava em ser uma delas, dançar no centro do salão como a estrela da noite e ser conduzida por alguém, talvez algum jovem de coração doce e olhos gentis. Izabel às vezes lembrava que sonhara em se casar e o pensamento nunca lhe trouxe tanta estranheza. Agora as noites terminavam vazias, os convites foram encerrados, não havia motivo para festejar.

O casarão está morrendo como a família que a possui__ Foi a última frase de Irina ao ser mandada embora há poucas semanas, trabalhara por quinze anos pra família, a camareira de confiança da patriarca.

Por isso quando Don Mário a chamou para a sua sala particular ainda de manhã, Izabel teve o presságio da desgraça. Deixou a cozinha sentindo os olhares inquisitivos de Marissol e Corine nas suas costas. Sempre que algum do serviçais era chamado pelo Sr. Mário, no outro dia estava fazendo as malas em busca de outro emprego, ela nunca viu alguém sair da sua sala comemorando, só lágrimas e abraços de despedidas depois. Quando era criança Izabel imaginava o Sr. Mário como um daqueles vilões dos livros góticos que lia, daqueles de couro velho cheirando a histórias tristes, vivendo em uma torre de pedras em meio as sombras espessas da sua própria amargura e vilania, sonhando com a próxima vingança.

Para a sua surpresa, quando entrou, Santiago também estava lá, sentado e conversando com Don Mário tão calmamente como se falasse das formas das nuvens no céu ou de uma maçã que caira de um galho e não de um roubo que aconteceu um dia atrás onde trabalhavam, Izabel do contrário estava com medo e não tinha bons pressentimentos, Santiago estava sentado confortavelmente, do seu rosto apenas a frieza.

- Mandou me chamar, senhor?__ Izabel disse, a voz repleta de temor.

- Por favor, sente-se. Sabe o porquê te chamei aqui.

Izabel não hesitou nem pensou em perguntar qualquer coisa, Don Mário lhe lançou um olhar que ela supôs ser o mesmo que ele lançava aos seus sócios numa reunião qualquer, lia a sua alma e a atingia em cheio.

- Aquelas relíquias valem muito, não posso me dar o luxo de deixar um ladrão miserável roubá-las__ Disse sem rodeios cuspindo raiva e menosprezo.

- Logo essas notícias estarão nas capas de jornais, nos rádios e em toda imprensa. Não quero policias se metendo onde não devem. Contratei um detetive. Cada um de vocês que pisaram naquela loja devem contar todos os pormenores.

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