• Capítulo VI

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Outro homem que estava presente na sala e que até então Izabel não havia percebido, se posicionou ao lado de Don Mário.

- Sou o Inspetor André Sempére. Estou aqui para ouvi-los.

Inspetor Sempére era um homem de meia idade, de fala rápida e dedos ágeis sobre a máquina de escrever, cheio de tiques e olhares cortantes.

Ouviu primeiro Santiago e depois Izabel, Don Mário presenciou toda a ação do Inspetor, observava como se estivesse medindo todas as nossas ações, gestos e pensamentos. Izabel lia muitos jornais e ouvia as notícias do rádio com o Marisol na horas do almoço, e uma coisa que ela sabia era que em um depoimento testemunhas não podiam depor juntas, muito menos com outra pessoa presenciando, mas Izabel também sabia que Don Mário não apreciava regras que não fossem as dele próprias.

Inspetor Sempére ouviou-os com atenção e pressa, fazia perguntas e suposições tão diretas que era como se aquela imensa sala estivesse se econlhendo em um cubículo. Ela contou tudo o que aconteceu no dia que encontrou as bonecas com os olhos arrancados, de como não estavam quebradas ou arranhandas. Depois de quase um hora e várias anotações Inspetor Sempére se deu por satisfeito, Don Mário dispensou-os com um sorriso de congelar brasas.

- Espero que podemos trabalhar juntos para acabar com essa injustiça e pegar o imundo__ disse por último.

Izabel e Santiago deixaram a sala lado a lado como os dois estranhos que se conheciam a um bocado de tempo.

- Não se preocupe, não somos culpados, ele não vai nos perseguir mais que isso__ Santiago disse nas suas palavras de conforto.

Izabel morria de medo de ser mandada embora, o que faria ela sem aquele emprego? por mais miserável que fosse era tudo o que tinha na sua condição de mulher, pobre e estudante.

— Eu sei, apenas que...

Novamente Izabel teve o pressentimento do infortúnio. Os passos de Valentina soaram sobre o piso do corredor onde estavam. Os saltos caros soavam como batidas delicadas em uma porta.

- Que bom que a encontrei, Izabel__ a voz de Valentina era doce de tanto cinismo.

Valentina era belíssima, um retrato da mãe na juventude, a expressão máxima do que uma dama da elite deveria ser. Alta, esbelta e elegante como um cisne, a voz melodiosa que adquirira nas aulas de canto, a postura perfeita das aulas de balé. Tinha o cabelo mais lindo que Izabel já vira, de um dourado liso impecável, e aqueles olhos azuis gélidos. Ela parecia ter sido previamente desenhada e esculpida, com todos os defeitos apagados como as bonecas do antiquário. Mas como Deus não tinha piedade dos desafortunados, não bastava só a beleza, Valentina também era inteligente e astuciosa, tinha o cinismo carismático da mãe e a eloquência arrogante do pai.

Ela tinha a beleza, a astúcia e um patrimônio.

Valentina era terrivelmente encantadora para todos aqueles que não a conheciam como Izabel conhecia.

Mas havia algo que só um restrito grupo de pessoas sabia, aqueles que ouvem atrás das portas, que presta atenção aos sussurros, os que estão escondidos servindo, sabia que antes de mais nada Valentina não passava da galinha de ovos de ouro do pai e a salvação da família.

A verdade era que os Armendáriz estavam falidos.

E era justamente por isso que a aura festejante que cercara a família por décadas e enfeitara a casa de convidados e reuniões badaladas se foi,
os inúmeros convites aos grandiosos bailes estavam cessados.

O pai de Valentina sabia que precisava arranjar um casamento bem sucedido pata a filha, o seu dote já tinha sido anunciad, ainda tinham o nome e um legado, bastava uma conversa e um aperto de mãos para ser comprada e salvar o que restava da família. No entanto, até para os ricos as coisas saíam dos trilhos.

Valentina tivera dois noivados mal sucedidos antes da fortuna da família começar a ruir e um burburinho que contestava a existência da sua virtude começou a rondar. Don Mário tinha pressa. Ele mais que todo mundo via a ruína da família. Desde então, temendo perder tudo de vez, Valentina passou a viver trancafiada em casa, esperando o noivo que aceitaria seu dote. Havia rumores de um arranjo com o filho de um aristocrata, mas ainda era cedo, e todos na casa aguardavam os próximos acontecimentos.

— Tenho um tarefa para você

Valentina gostava de designar tarefas, tinha um prazer enorme em madar nas pessoas sem que elas a questionassem. Quando criança Valentina era a líder das brincadeiras, das cirandas e a protagonista das histórias, e nada mudara.

Qual seria a tarefa dessa vez? Limpar a sua banheira? Encontrar as pérolas do seu colar favorito que por caso caíram no ralo da pia?

- Quero que vá a costureira__ ela deu a Izabel uma carta e uma lista__ aqui está, traga tudo até o fim da tarde.

Izabel sabia que não era só isso
As tarefas de Valentina nunca eram só isso.

— Você não entendeu?__ Valentina disse levemente irritada__ Eu disse agora. Preciso de tudo ainda hoje. Se apresse, não fique aí me olhando com esse olhar de peixe morto.

Izabel já estava acostumada, uma vida inteira dedicada a pessoas em que não mantinha o menor apreço a tornava mais capaz de suportá-las.

— Ah, e peça ajuda ao seu amigo__ ela disse antes de virar sair.

Izabel não podia ter deixado de notar a forma como Santiago sempre olhava para Valentina, como se ela fosse o próprio anjo descido dos céus, só nesses pequenos vislumbres, Izabel podia sentir alguma emoção dele.

— Cuidado, ela devora os corações que quebra__ avisou Izabel.

Santiago não pareceu se importar, e continuou olalhando para onde Valentina tinha ido. Indecifrável e abalado no que Izabel achava significar seus olhar. Izabel também não se importou em ler o bilhete que Valentina acabou de lhe dar, sabia que não era lista coisa nenhuma, não havia costureira. Era um bilhete com instruções e um endereço. Izabel praguejou baixinho.

— Em que posso ajudar?__ Santiago disse.

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⏰ Última atualização: Apr 30 ⏰

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