Em meio às ruas agitadas de São Paulo, onde o frio corta a pele e as batalhas de rima queimam a madrugada, Aurora vive dividida entre a correria da faculdade de Psicologia e a paixão pela cultura do rap. Quando recebe o convite da sua melhor amiga L...
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A multidão começava a se dispersar devagar, como se a noite também quisesse ir embora junto com as vozes que ainda ecoavam da batalha. O frio cortante da madrugada paulistana invadia cada fresta, fazendo o ar parecer mais pesado, quase palpável. Senti o vento frio colar na pele enquanto caminhava entre os grupos que se despediam, suas risadas e comentários cheios de emoção ainda ressoando no ar.
Levinsk, com seu cabelo azul elétrico brilhando sob as luzes da rua, segurou meu braço com firmeza e um sorriso que parecia querer afastar qualquer cansaço.
— Aurora, para tudo! Antes de você sumir, vamos comer algo. Preciso dividir umas histórias que rolou hoje que vão te deixar de queixo caído.
Me virei para olhar Brennuz, que permanecia encostado num muro grafitado. O black power vermelho dele captava a luz dos postes, quase parecendo uma chama viva naquela noite gelada. Ele me lançou um olhar intenso, uma mistura de reconhecimento e algo indefinível, um convite silencioso. Eu devolvi um sorriso tímido, sentindo meu coração acelerar sem motivo aparente.
Segui Levinsk pelas ruas escuras, passando por pichações coloridas e pequenos comércios fechados, onde o silêncio da madrugada era quebrado apenas pelo som distante dos carros e das conversas baixas que se espalhavam pelos becos.
Chegamos a um barzinho modesto, quase escondido entre prédios antigos, um refúgio para quem buscava um pouco de calor e boa companhia naquela noite fria. A porta rangia ao ser aberta, e um aroma reconfortante de café fresco misturado com o cheiro doce de bolos caseiros me envolveu. O ambiente era acolhedor, com mesas de madeira gastas pelo tempo, luz baixa e uma jukebox tocando clássicos do rap que pareciam contar histórias paralelas às nossas.
Levinsk puxou uma cadeira para mim, jogando seus cabelos azuis para trás com um gesto descontraído.
— Você tá acabada, né? — perguntou com um sorriso meio cúmplice.
Soltei um suspiro, sentindo o peso das últimas semanas nas costas.
— Nem me fala — respondi. — Faculdade, estágio, batalhas... e esse frio que não ajuda nada. Mas valeu a pena, especialmente por hoje. E por conhecer o Brennuz, claro.
Levinsk piscou, divertida.
— Ah, esse é fogo! Não só nas rimas, mas na vida. É aquele tipo de cara que impressiona sem precisar falar muito. Um segredo que a gente tem o privilégio de conhecer.
Brennuz pegou o cardápio com calma, a expressão suave e, por um momento, parecia menos o rei das batalhas e mais um cara comum tentando decidir o que pedir.
— Aurora, o que me indica aqui? Preciso de algo que me mantenha no pique pra próxima batalha.
Sorri, me sentindo mais confiante.
— Se quiser algo que esquente e dê energia pra aguentar a noite, tem que provar o caldinho de feijão daqui. É o segredo dos campeões.
Ele riu, aquele riso fácil e sincero que faz a gente esquecer do frio e das preocupações.
— Caldinho da Aurora, então. Pode crer que vou apostar nisso.
Enquanto esperávamos, as palavras começaram a fluir naturalmente. Falamos das batalhas, das dificuldades de conciliar estudo e paixão, das frustrações e das pequenas vitórias que só quem vive esse mundo entende.
— Você faz psicologia, né? — Brennuz perguntou com interesse genuíno.
— Sim — respondi, ajeitando uma mecha rebelde. — Estou no último semestre. Às vezes é difícil, mas me ensina a olhar para as pessoas de um jeito diferente, a entender o que elas sentem por trás das palavras.
Ele assentiu, pensativo.
— Dá pra ver isso no jeito que você observa tudo. No palco, na batalha, no jeito que você olha pra Levinsk quando ela manda aquelas rimas afiadas.
Fiquei corada, sentindo o rosto esquentar.
— Obrigada — murmurei, sem saber bem o que dizer.
— E você, como começou no rap? — perguntei, querendo saber mais sobre ele.
Brennuz contou que a música sempre foi seu refúgio. Cresceu cercado por sons variados, mas foi nas batalhas que encontrou sua voz verdadeira. Cada rima era um grito de resistência, uma forma de mostrar que ele estava ali para ficar.
— As rimas são minha maneira de dizer pro mundo que eu tô aqui — disse ele com firmeza. — Que não vou me calar, não importa o que aconteça.
Me senti conectada, compreendendo a profundidade daquele sentimento. A batalha era mais do que competição; era expressão, era alma.
A conversa se desenrolava leve, com risadas e histórias compartilhadas. Brennuz até fez uma piadinha, dizendo que se eu cochilasse na próxima, ele teria que me fazer um verso só pra me acordar — afinal, "princesa do sono perdido" não podia dar mole.
Ri alto, sentindo o calor da noite e da companhia, mesmo com o frio que tentava entrar pelas frestas do barzinho.
Levinsk voltou com mais histórias do corre, da luta diária para manter o respeito na cena do rap, dos bastidores que nem sempre aparecem no palco.
Olhei o relógio e percebi que a madrugada já avançava.
— Acho que é hora de ir — falei, me espreguiçando.
— Na próxima não falta, hein? — Levinsk avisou, misturando brincadeira e seriedade.
Prometi que não faltaria. Aquele universo estava se tornando essencial para mim, algo que eu não queria mais deixar escapar.
Quando nos despedimos, senti que a noite tinha sido muito mais do que uma simples batalha. Era o começo de algo novo — uma conexão que transcendia os versos, um caminho de descobertas e sonhos que começavam a tomar forma.
Enquanto caminhava sozinha para casa, as ruas pareciam diferentes, pulsando com uma energia que antes eu não percebia. A cidade parecia mais viva, mais minha.