Hostilidade e sofrimento

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O tempo passou, eu já trabalhava em uma lavanderia quando conheci um rapaz muito bonito, franzino de um sorriso muito cativante, o nome dele era Colly, entrou na loja durante uma tempestade, de jeito alegre e se divertindo com a chuva, fiquei encantada com ele, recolhi as roupas das mãos dele e naquele momento, nossos olhares se cruzaram, meu coração disparou tão forte que senti meu corpo esquentar, eu não compreendia, foi quando ele me perguntou, se eu estava bem, abaixei o olhar e me afastei. Durante toda a chuva ele ficou lá, em euforia com todos, mas eu não conseguia conversar com ele, me senti vulnerável a esse sentimento e me aborreci, eu me sentia sonolenta tudo parecia diferente, não ser real. Não esperei a chuva passar, num susto, pedi permissão e sai sem olhar para trás, a chuva ainda se fazia forte quando cheguei em casa, tomei um banho, depois um café quente e tentei dormir, ouvia o barulho da chuva e me lembrava do rosto de Colly, assim adormeci.

Eu já morava na Vila Cintra em Castelo mesmo, mas nunca retornei a casa onde nasci nem mesmo para ver os que lá ficaram. A Vila era um lugar simples, de clima hostil, cheio de pessoas que se trancavam em suas próprias vidas, acredito que isso me fazia viver ali. No dia seguinte, o sol irradiava ainda tímido, a claridade das nuvens trazia prenúncio de um dia bom. Saí para o trabalho outra vez, meus pensamentos já não eram os mesmos, eu já estava com vinte e quatro anos e me sentia cansada, com ombros pesados de viver no passado. A lavanderia estava movimentada naquele dia, não tinha tempo para pensar em minha vida, esses eram para mim os melhores dias ali. A porta se abriu der repente de maneira brusca, meu coração disparou, observamos que uma senhora entrou chorando e balbuciando palavras de melancolia, pedia ajuda para ela e seu filho. Meus colegas de trabalho se comoveram e se dispuseram a ajudar, recolhendo dinheiro, eu, porém, a olhei nos olhos e disse para ela ir embora, buscar um trabalho e me afastei. Pude perceber que ficou assustada e saiu da loja sem olhar para trás, mas antes pude a ouvir gritar, que eu ainda descobriria o poder da caridade. Mal sabia ela, que eu conhecia onde isso levava, lembrei-me de minha mãe. Retornei ao balcão e pude ver os olhares de todos indignados com minha atitude. Faltava apenas dez minutos para fechar a loja e todos já tinham saído, me sentia sonolenta outra vez, meus olhos estavam pesados, tudo estava estranho novamente, foi quando bateram a porta, abri e lá estava ele, Colly, pedindo sorridente que deixasse lavar algumas peças de roupa, pois, estava atrasado para uma reunião. Meu coração disparou, ele estava ainda mais cativante, logo me refiz e lhe disse que eu não fazia favores, já estava fechando e para conseguir o que queria teria que pagar um extra. Ele sorriu novamente e concordou, entregou as peças de roupas em minhas mãos. Enquanto eu esperava a lavagem, fiquei observando sua expressão, não entendia o que fazia, uma luz, cobria sua face, era tão especial para mim, eu me perdia em pensamentos, sentia um vento frio em meus ouvidos, e sem perceber os passos dele vindo em minha direção, ouvi o som leve de sua voz, me indagando, o porquê eu não fazia favores, se servir era tão bom, me afastei, fiquei calada, recolhi suas roupas lavadas e lhe entreguei, antes voltei meu olhar para ele e afirmei; Caridade, não pagava minhas contas. Ele olhando para mim, saiu devagar sem nada dizer. Ele era um estranho muito cativante, seu olhar doce lembrava minha mãe, eu sabia que teria de ficar longe dele. Fechei a loja e saí, na rua encontrei novamente com a velha senhora, abaixei o olhar para fingir não vê-la, quando eu, já estava alguns passos de distância dela senti alguém puxar meu vestido e gritando se eu poderia ajudar e me pediu dinheiro, parei e olhei para trás com muita ira, mas me surpreendi ao ver um jovem garoto, mais ou menos doze anos, com olhos tristes e aparência franzina. Como um raio cortando o céu, pude me lembrar de meu irmãozinho, que deixei na casa das irmãs Santas e nunca mais o vi. Minha infância inteira passou em minha mente por alguns minutos, pude ver minha mãe de olhos tristes e cansados dizendo:

— Verônica, não deixe o hospital, trabalhe em meu lugar.

Eu estava abraçada com Erick, ainda pequeno, assustado e chorando muito, a vi morrendo novamente. Voltei à razão, olhei para a senhora ao longe e gritei para que procurasse correndo um serviço, se não via a vergonha em que colocava a criança, o garoto me olhou assustado e saiu correndo gritando que eu, era ruim igual a ela, muito ruim, abraçou a velha senhora e os dois desapareceram. As lágrimas tomaram conta do meu rosto e pensava; igual a quem, quem o teria feito tanto mal. A lembrança de Erick ficou mais forte e saudosa, eu havia fugido da casa das irmãs Santas e nunca mais voltei para vê-lo, devia ter agora a mesma idade desse garoto, que por lembrança tinha o mesmo brilho no olhar. Fui para casa decidida a esquecer daquele dia, entrei e fui logo tomar um banho, fiz um café e cansada adormeci bruscamente. Meu corpo mal acabava de adormecer e como num sonho, me via em uma Colina, onde a brisa era forte e fria, queimava minha pele, um lugar estranho, porém muito bonito, eu ouvia vozes vinda de todos os lados, mas não via ninguém, nada me era familiar. Comecei a gritar e perguntar se havia alguém ali, as vozes foram ficando mais perto, foi quando ouvi meu nome, era a voz de minha mãe dizendo:

­­— Verônica, Verônica, minha filha, volte à razão, volte, preciso da sua ajuda.

Levei às mãos a cabeça e pedia perdão, pensei que falava da promessa e disse que não voltaria, para que? Eu não vou ajudar ao hospital, não e não, eu gritava dizendo, sentia muitas saudades dela, num momento de silêncio, pude a ouvir dizendo novamente:

­ — Verônica vai perdê-lo se não voltar, se não mudar.

Despertei com forte dor no peito, respiração acelerada, eu nunca havia sonhado com minha mãe, não entendi o que ela queria dizer. Levantei, fui até a cozinha tomei um copo com água e fiquei ali sentada até o dia amanhecer.

Quando o sol surgiu, eu pude ver seus primeiros raios e confesso, adorava, me perdi naquele momento já com os olhos inchados pela noite perdida. Cheguei à lavanderia mais cedo que os outros e só, Mario o gago, tinha as chaves. Sentei a porta para esperar, aos poucos foram chegando outros funcionários, e todos já comentando o ocorrido ali perto na madrugada. Logo chegou aos meus ouvidos que a velha senhora tinha sido atropelada junto com seu garoto, por um jovem que voltava de um Cine com a sua namorada, perguntei se haviam morrido, disseram que não, haviam sido socorridos pelo mesmo jovem e levados ao hospital em estado muito grave. Todos diziam que iam ajudar, pois eram da região. Eu comecei a lembrar do olhar do garoto e sua voz, foi entrando novamente em minha mente, foi quando me levantei e disse a todos que não faria parte dessa ajuda, todos silenciaram, Mario o gago se aproximou e me disse:

— Verônica, ainda vai se arrepender de desprezar a vida das pessoas necessitadas assim.

Sorrindo, disse que ele não sabia o que falava, já conhecia o final.

Ele sorrindo me respondeu:

— Quem está falando de final, é do recomeço que eu falo.

Sem entender as falas dele, sorri e entramos para o trabalho, na loja não se falava em outra coisa e eu me mantinha em silêncio aos comentários.

Os dias foram se passando, mas não havia mais nem uma noite que eu não visitava a colina em meus sonhos, ela continuava sempre linda. As vozes ficavam sempre mais próximas e ela, minha mãe, sempre dizia a mesma coisa:

— Verônica, nós vamos perdê-lo, volte, volte agora.

Todas as noites era a mesma coisa, eu já evitava dormir, estava ficando exausta e tomando raiva das falas dela, e sonhar com minha mãe, não era mais tranquilo, eu não entendia, mas tinha certeza que não voltaria ao passado, eu ficava cada vez mais irritada, no trabalho na lavanderia, só Mario o gago ainda ficava mais próximo a mim.



O Refúgio das almas, o resgate de VerônicaOnde histórias criam vida. Descubra agora