Tons de Vermelho

Afrodite

Seis Anos Antes...

Através da janela, vejo a paisagem passar rapidamente, campos e mais campos se estendem pela linha do horizonte até que os primeiros sinais de civilização apontam no panorama de meus olhos, dando assim lugar ao ambiente urbano de mais uma parada antes do meu destino final. A placa na entrada da cidade nos dá as boas vindas a Barueri, fico aliviado, pois em pouco mais de uma hora chegarei a capital. Desde que acordei e durante todo o trajeto, pensei em Afrodite, ainda estou inebriado com a nossa noite mágica.

Queria tanto que ela estivesse aqui comigo, uma pena que a mesma foi embora sem  se despedir. Vasculhei o livro em busca de algo que pudesse identificá-la, quem sabe um nome ou o número de telefone, mas não havia nada. Sinto-me um pouco desesperado, como se a falta dela fosse me despedaçar aos poucos. Meu lado racional briga comigo, gritando a plenos pulmões que fora apenas sexo e que eu não deveria estar tão 'emocionado' assim. O problema é que foi a transa mais gostosa que já tive na vida, não sei se pela adrenalina de sermos pegos ou por nossa entrega ensandecida ao ato sexual.

Desde que nossos olhos se encontraram na rodoviária em Santa Glória, houve uma estranha conexão, uma química insana que não consigo explicar, contudo parecia algo que deveria acontecer. Durante toda a viagem agimos como se estivéssemos em um filme mudo do Charlie Chaplin, nenhuma palavra trocada, somente pequenos gestos que escancararam nossas intenções. 

É inacreditável que eu tenha transado com uma mulher sem trocar uma ideia sequer, pior ainda, sem nem saber seu nome. Da sua voz tive o prazer de escutar somente os gemidos deliciosos, fico imaginando como seria ela gemendo meu nome e isso causa um frenesi no meio de minhas pernas. Afugento esses pensamentos, uma ereção agora não seria nada boa para mim, ainda mais com seres viventes à minha volta. 

O ônibus para na rodoviária, alguns passageiros descem, seja para buscar algo para comer ou por já chegarem ao seu destino, outros como eu permanecem no lugar. Ainda não tomei café e nem tenho fome, a única coisa em que meu cérebro pensa é em Afrodite, nenhuma necessidade fisiológica tinha espaço em minha mente com ela habitando meus devaneios. 

Não é possível que eu esteja tão derramado assim, tão arriado por uma desconhecida. Resolvo sair do veículo por alguns instantes porque se não fizer isso, morrerei afogado com as lembranças do que aconteceu naquelas poltronas. Meu lado emocional não colaborava comigo e já se esmurrava com a parte racional que tentava a todo custo lhe trazer juízo.

Angustiado com o duelo de titãs em minha cabeça, respiro fundo dando força assim a racionalidade que acerta em cheio minha ala sensível. Entretanto, a adjacência emotiva não tinha nenhuma pretensão de perder a contenda e revida o soco no momento em que olho para o motorista gorducho de meia idade que ajudava a descarregar algumas bagagens. Minha sensatez apanhava feio agora e tudo isso porque tive a brilhante ideia de lhe perguntar onde a dama de vermelho havia desembarcado. 

- Bom dia, com licença! - digo me aproximando dele.  

- Bom dia! - cumprimenta, colocando uma bolsa no chão e olhando para mim. - O senhor veio pegar sua bagagem? Tem o ticket de identificação? - pergunta, solicito.

- Não, não é isso! - exclamo um pouco sem jeito coçando a cabeça. - É que... É que... - gaguejo nervoso, sem saber como entrar no assunto e o homem me olha estranho. Puxo o ar asperamente até que chegue em meus pulmões. - O senhor pode me dizer onde desceu uma mulher de vestido vermelho? - indago fazendo uma careta com receio dele me achar um maluco.

- Mulher de vermelho? - questiona confuso, noto que ele vasculha em seu cérebro por alguém que trajasse tal vestimenta.

- Sim! Era um vestido de alças finas e até os joelhos. - digo e o motorista coloca a mão no queixo tentando lembrar. - Bonita, cabelos curtos acobreados, olhos verdes, estatura mediana... - tento e percebo que sou específico até demais.