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              Tinha passado exatamente um dia desde que abandonara este sótão para ir à mercearia, a pedido da minha querida avó. Não conseguira parar de pensar naquela rapariga desde então. Os cabelos loiros, perfeitamente escovados, a caírem-lhe pelo peito, fizeram-me lembrar os seus cabelos. Aqueles olhos verdes, tão brilhantes e sedutores, eram semelhantes aos dela. Os seus lábios, o seu nariz, tudo nela me trazia uma recordação retorcida de um passado que eu quis apagar. E, apesar de estas serem apenas perspetivas exageradas da minha cabeça, não consigo parar de pensar no quanto aquela rapariga da mercearia me intrigou, mesmo sem a conhecer.

             Acabei por soltar um grunhido de frustração, chateado com o facto de não conseguir controlar as minhas próprias emoções, os meus próprios pensamentos. Saltei da estrutura de madeira onde passo os meus dias solitários e avancei pujantemente até à escadaria que me levaria de novo até ao andar de baixo. Se ficasse ali sozinho por mais tempo, acabaria por me autodestruir.

             – Avó? – chamei, curioso quanto ao que a velha senhora andava a fazer. Quando entrei na cozinha fui recebido com um largo sorriso da sua parte, que derreteu o meu frágil coração.  Puxei uma cadeira e sentei-me, observando atentamente os movimentos da minha avó, que confecionava o almoço.

             – Fico feliz por te ver finalmente. – A mulher afirmou, encarando-me com uma expressão risonha.

             – Achei que te devia fazer companhia... – murmurei envergonhadamente, mordiscando o lábio. Por vezes sentia-me culpado por passar tão pouco tempo com a minha avó e, quando a consciência começava a pesar, voltava a entrar no mundo real, aquele em que eu sou apenas um rapaz com responsabilidades e não um que passa a vida na lua.

             – Fico feliz por isso, querido. – Jenna sentou-se na cadeira à minha frente, apoiando os seus cotovelos no tampo de madeira. Os seus olhos azuis piscavam na minha direção. – Sabes, eu acho que está na altura de tu desabafares com alguém e deitar cá para fora aquilo que te magoa.

             – Nada me magoa, avó. – forcei um sorriso na tentativa de a reconfortar. Passei a mão pelo cabelo e baixei a cara, escondendo-me novamente dos problemas. Ouvi um suspiro escapar dos seus lábios e apeteceu-me torturar-me por estar a ser tão gélido com uma pessoa que me quer tanto bem. Ainda assim, permaneci em silêncio.

             – Tudo a seu tempo... – a mulher de cabelos grisalhos levantou-se do seu lugar na mesa e caminhou novamente até ao fogão, levantando a tampa da panela, que consequentemente lançou um agradável cheiro a comida pelo ar. Ergui o rosto e olhei através da janela, vislumbrando o belo dia de sol que se fazia sentir no exterior. – Preciso que vás novamente à mercearia.

             – Agora?

             – Sim, Luke, agora.

             Soltei um pequeno suspiro e ergui-me da cadeira, enterrando as mãos nos bolsos das calças. Com as pontas dos dedos senti algumas moedas dentro destes e respirei de alívio por não ter gasto todo o dinheiro que a avó Jenna me dera ontem.

             – Então, precisas que eu traga o quê?

             – Apenas morangos.

             Cerrei instintivamente as sobrancelhas, espantando com o que a velha senhora acabara de dizer. Jenna, observando a evidente confusão espalhada no meu rosto, soltou uma pequena gargalhada e sacudiu as suas mãos na direção da porta, como se me estivesse a mandar embora. Não pude evitar que um sorriso se formasse nos meus lábios e, antes de abandonar a nossa pequena habitação, despedi-me da mulher com um beijo na testa, rindo-me com a nossa diferença de alturas.

Strawberry » luke hemmingsOnde histórias criam vida. Descubra agora