Laroiê!

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Autor: SettCampos

Amanita respirava com dificuldade, não por falta de ar, ela estava em céu aberto, mas por conta do medo. Seus passos descalços sobre a terra preta e vermelha de cemitério eram vacilantes, sentia a morte penetrar pelos poros de sua morena pele. Rezou mais nesse curto caminho repleto de tumbas e memoriais do que em sua vida toda na Igreja da Fé e do Fogo. 

Puxou o ar sentindo-o frio-morte e a garganta seca como se todos os líquidos do corpo fossem drenados. Abaixou-se passando entre os arames farpados indo para o mais fundo do cemitério, onde os sem identidade eram enterrados. "- Gente sem nome e sem Deus" como costumeiramente eram chamados por sua mãe. 

Parou de frente a uma tumba aberta. Espiou dentro e viu que estava vazia. Mas em umpiscar de olhos uma cabeleira desgrenhada emergiu fazendo a menina soltar um grito agudo ecair com os traseiros no chão. 

— Queitas diabo. — Ralhou a que estava dentro da cova. Suas unhas estavam cheias de terra preta e sangue, cavara a tumba com as próprias mãos como ordenava o ritual. — Vais acordar os mortos e assustar os penados. Lembras que tás aqui por causa tua diabo. 

Amanita se levantou lembrando-se do seu devaneio há seis dias. 

Ela tinha acabado de sair da escola dominical e andava com seu grupo de jovens quando avistou na encruzilhada uma oferenda. 

O assentamento era uma peneira de palha trançada de folhas de bananeira com cachaça, fumo de corda, pano vermelho, uma galinha preta gorda e um vidro transparente com papel escrito de ambos os lados, tudo parecendo caro demais. Ao redor da peneira havia sete velas acessas; seis verdes e uma vermelha. Nessas havia entalhos de símbolos e cânticos. Elas estavam quase no fim, como se rezassem um agradecimento final e silencioso. 

O grupo sentiu a pressão do lugar, mas Amanita era do fogo do espírito. A menina ergueu a bíblia e correu gritando. 

— O sangue de Jesus tem poder. — O grupo riu e gargalhou chutando e quebrando toda a oferenda enquanto entoavam hinos de louvor. — Chuta que é macumba. 

Do outro lado da rua oculto pelas árvores havia um preto velho de cócoras. Seu chapéu de palha cobria a face e a fumaça do seu cachimbo o tornava quase invisível. O grupo parou abaderna sentindo pavor, todos os seus medos emergiram vividos. Amanita se virou para o velho e seu coração parou de bater por um segundo, que para ela pareceu uma vida. Olhos vermelhos brilharam por trás da fumaça e se encontram com os castanhos da menina, fazendo-a sentiu o agouro do olho gordo penetrando o seu ser. 

A vida da mulata se tornou um inferno no decorrer dos dias. No primeiro dia o freio da bicicleta falhou e se chocou contra uma placa, no seguinte o zíper da jaqueta prendeu na portado ônibus fazendo cair e ralar a bunda, no outro seus cadarços se amarraram fazendo-a cair decara e quebrar um dente. E quinto acordou com um sapo gordo e verruguento na cara. 

Em desespero a menina zapeou a internet por meios de se livrar do mau-olhado. Rezou, invocou, se banhou e fez chás, mas nada aparentemente funcionara. 

Quando dormia temendo o amanhã sentiu algo lhe pegar os pés. A menina tentou gritar, mas estava muda e paralisada. Uma língua lambeu as solas dos pés, subiu para as coxas, para o sexo, para o umbigo e por fim todo o rosto. O membro era macio e tinha cheiro de rosas. No campo de visão da morena surgiu uma mulher, das mais lindas que podia imaginar, e se entregou ao prazer fazendo promessas e acordos. E esses acordos levou-a cova que era do seu tamanho. 

Antes que Amanita pudesse falar sentiu o empurrão em suas costas, fazendo-a engolir terra. Uma pressão lhe forçava o corpo na cova. 

— As horas correm e está na lua de troca. — A bruxa tinha a pele enrugada e seca, como se fosse couro de jacaré, não tinha mais a beleza de ontem quando lambeu a nova pele.— Chega de queimar fumo é tempo. 

A bruxa rasgou as roupas revelando pelancas e furúnculos, e liberando um urroarrepiante começou a dançar envolta da cova recitando cantigas de roda e cirandas. 

Um redemoinho cortou o cemitério seguido de um assovio de fúria fazendo mortos e pena dos se esconderem de pavor. A bruxa sentiu a presença e acelerou os cânticos, mas uma lufada de ar desequilibrou-a. 

— Cala-te. — Bradaram os sete ventos. — Não tenho sorrisos em minha face, mas cólera. 

A bruxa tomou uma forma régia em sua carcaça carcomida. 

— Ela é minha. — Declarou veemente. — Ela invocou a mim por meios de rituais, lambiseu corpo e agora vou devorar sua alma e vestir sua pele. É minha, por que a proteges? 

— Porque ela precisa. — Proclamou uma rajada de ar agitada. — Vais por ti ou pormim? 

— Ela te estapeou, profanou sua oferenda, esquece-se das graças que fizera. —Acusou a bruxa murmurando as cirandas e se sentindo cada vez mais dentro de Amanita. — Elase esqueceu de vosmecê. 

— Todavia eu não me esqueci dela. — Rugiu o redemoinho erguendo a bruxa. — Vais com os diabos. 

A bruxa juntou em sua saliva todos os agouros que podia e cuspiu na menina, mas uma brisa rasteira devolveu a sua face. A velha urrou de dor e medo quando os ventos a lançaram para longe. 

Amanita acordou com orvalho lhe beijando o rosto. Lembrava-se de tudo que acontecerá, o medo corria pelas pernas e o temor cobrava o coração. 

— Me desculpe. — Sussurrou e deu um longo assovio triste. 

Ela se lembrou das vezes que Ele não permitiu o pai bêbado de entrar em seu quarto ou das vezes que fez a mãe se atrapalhar, após ter lhe dado uma surra por conta de um beijo na filha da vizinha. 

— Hoje é seu dia. — Disse acariciando a terra. — Laroiê Saci-Exu! 

Um assovio alegre passou pelo cemitério junto com uma brisa morna aprontando com os mortos e os vivos.

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