Atrasado

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Autora: AlyCampos

Acordei assustado e olhei para o relógio. Eu estava atrasado.

Me levantei às pressas e vesti a roupa do trabalho, quase tropeçando ao tentar enfiar as pernas na maldita calça.

Corri para o banheiro e joguei água no rosto para despertar.

Aquele dia já havia começado mal.

Peguei minhas coisas e saí a passos largos até o ponto, torcendo para que o próximo ônibus não demorasse muito.

Ao embarcar agradeci por encontrar ao menos um banco vago para me sentar, porém o trânsito estava uma porcaria.

Logo me deparei com um semáforo fechado e precisei morder a língua para não amaldiçoar a minha vida miserável.

Me soltei no banco bufando de frustração e olhei para o lado, onde havia um parquinho lá fora.

Uma mulher estava abaixada conversando com uma garotinha, que provavelmente era sua filha. A menina chorava e apontava para um balanço, onde uma outra garota estava sentada.

A cena me fez suspirar e pensar na minha própria vida.

Como aquela garotinha, eu queria me balançar, chegar ao alto, o mais próximo possível da sensação de voar que uma criança poderia ter, porém, como aquela garotinha, outra pessoa havia ocupado o meu lugar.

Eu estava atrasado para o trabalho e atrasado para a vida, e por isso reuniões familiares sempre me deprimiam.

Eu via meus primos com seus automóveis, enquanto eu nem CNH não tinha ainda, via meus irmãos com suas famílias, e eu? Nem namorada. Todos tinham suas casas próprias, enquanto eu pagava um absurdo de aluguel. Todos estavam fazendo faculdade, ou até já haviam terminado e eu só havia feito o ensino médio e trabalhava numa empresa medíocre, num cargo medíocre, ganhando um salário medíocre.

Me perguntava quando seria a minha vez.

Eu me esforçava, trabalhava duro, tentava economizar, corria atrás de toda oportunidade que me aparecia, mas a vida continuava estagnada e carente de conquistas.

O ônibus continuou sua viagem e eu as minhas indagações até que, de repente, uma parada brusca, um som ensurdecedor e gritos. O mundo girou e eu me senti flutuar por um momento até perceber o que estava acontecendo.

O medo me trouxe desespero e tudo o que se passava pela minha cabeça era: Eu não quero morrer.

Naquele momento eu percebi que não importava se eu tinha um carro, se eu namorava ou se havia feito faculdade. Eu só queria viver e enquanto eu vivesse essas outras coisas poderiam ser alcançadas, mesmo que demorassem.

Me dei conta de que a vida não era uma corrida contra meus primos, amigos e irmãos. A vida era uma corrida em direção ao fim e eu não precisava ter pressa.

Um grito escapou pela minha boca e a dor me atingiu em cheio enquanto o ônibus girava e girava infinitamente.

Então tudo se apagou.

"Eu não quero morrer."

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