Contos de Corrida

Senhor Bola de Fogo - co-Vencedor

Autor: TheChicorius

Minha mão aperta o volante, inquieto. Esperando ser dada a largada. Me pergunto se passei tantos anos na cadeia por ter queimado a largada. Ou teria sido falta de talento. Talvez confiar na pessoa errada. Se eu já era parte da "ralé" antes, imagina agora com as tatuagens obrigatórias de identificação de um ex-detento.

Pelo menos agora eu sou o Senhor Bola-de-Fogo.

Se não fosse pelo Martinho me tirando da cadeia, eu nem estaria aqui. Claro, ele poderia não ter me enfiado nessa corrida maldita, mas ele disse que era o "único jeito". Uma maleta cheia de grana, um carro-a-jato e um plano. Planos. A gente tá sempre cheio deles, né? Se bem que só tem malandro por aí porque tem muito mané achando que é malandro.

"Tu corre nessa corrida e limpam tua pena e a gente ainda fatura uma boladadesgraçada", Martinho disse. Agora não era mais Martinho. É Doutor Martins. Terno caro esapato de couro. Cabelinho na régua.

Correr no Prix dos Heróis. Pensa em Fórmula 1 e mistura com um pouco de WWE. Corrida com mocinhos e vilões. Muito teatro junto das corridas. Ter um ex-detento como eu?Ótimo material pra um vilão. O Martinho tá nessa pelo dinheiro, não vou fingir que não sei.Ele me tirou da cadeia porque sabe que eu sei como esmerilhar um carrinho.

Perdi uma vez só resultando em catorze anos de exclusão, saindo no oitavo por"chances e contatos únicos".

Doutor Martinho tá atrás da tal ascensão social, se distanciar (ainda mais) de quemum dia já foi. Sair da Terra e morar em colônia. Pensa que é malandro. Imbecil. O berço deouro dele só tá assim porque foi pintado. Dá um tempo e já começa a descascar.

A largada é dada e me sinto um músico em uma orquestra, só sigo a música. Em instantes, meu pé afunda no acelerador, meu carro sambando naquela pista. Aceito ficar um pouco pra trás, e aproveito pra bater nos outros carros. E como vilão? A galera ama quando faço isso.

— Maltrata eles, moleque — Martinho pede, empolgado.

— Moleque é o caralho — eu retruco. — É Senhor Bola-de-Fogo.

Senhor Bola-de-Fogo é meu apelido como piloto. O "senhor" vem de eu sempre tervisto meus tios, vizinhos, avós e tudo mais sempre sendo chamado de moleque por chefiaou qualquer um ou dois degraus acima. E eu pensei que seria engraçado fazer com que aprimeira coisa que falassem ao dizer meu nome fosse "senhor".

O narrador da corrida segue me xingando e elevando a moral dos pilotos na frente.

— Dê tudo de si, desgraçado! — Martinho berra.

Consigo fazer um dos carros capotarem. Terceiro lugar. O próximo sabe conduzirbem o carro, mas não contava comigo usando de uma curva pra bater com minha traseirano bico do carro dele. O volante gira pelas minhas mãos. Só falta um, o garoto de ourodessa corrida, Nitro-Hércules. Vindo diretamente das colônias de Marte. Filha-da-mãenunca teve meio-perrengue na vida dele.

— Moleque, seguinte: tu precisa fingir que vai ir com tudo, quase ganhar, mas no fimperder pro Nitro-Hércules — Martinho me explica. — Faz isso e em duas horas a gente vaitá mais rico que o Cyber-Batman.

Eu tô ligado que o Martinho só tá de olho na grana e no que vem junto dele. E tômais que ligado que foi ele que zoou meu carro na vez que fui preso. Foi ele o X9 que mevendeu pra polícia. Doutor Martins acha que é malandro. E não sabe que só existemalandro porque tem mané que se acha malandro.

Sou o primeiro piloto da Terra — vindo de penitenciário — a correr ali. Tem muitoespaciano que quer me ver perder chegando tão perto só pra servir de piada. E tem muitagente na Terra que precisa de um Cyber-Superman da perifa.

Eu acelero, sem pena do Nitro-Hércules. Ele revida, batendo no meu carro. Minharoda traseira explode. O carro capota pela pista. Eu ironicamente termino próximo da linhade chegada. Tão perto.

Meu carro sofre pra avançar, sem uma roda.

"Martinho...", eu praguejo.

— E o vencedor é... — o narrador já se prepara para dizer, vendo Nitro-Hércules,tão perto, e eu, tão derrotado.

Eu perdi e fui preso 8 anos atrás porque me caguetaram, não por falta de habilidade.Tô cagando pra sorte e sei de uma coisa: talento eu ainda tenho. Aquela roda explodir foicoisa do Martinho, não nasci ontem.

Nitro-Hércules nem consegue entender quando eu manobro o carro pra me jogar delado na frente dele, se coroando com o segundo lugar. O impacto me joga, voando, paraalém da linha-de-chegada.

O carro termina de capotar e eu me arrasto para fora. Braço quebrado. Pernalascada. Convicto...

— O vencedor é o Senhor Bola-de-Fogo! — berro, com todos os planetas meassistindo.

... Vitorioso.