iii.

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Dois dias depois de Neném levar o tiro, Guilherme deu alta ao amigo. Nesse período, devido ao forte impacto da trágica e inesperada perda do irmão, o jogador fechou-se num silêncio pesaroso, e pediu a Guilherme que só permitisse em seu quarto a entrada de dona Nedda, Osvaldo, Tina... e Paula. Todos os outros estavam sumariamente proibidos de visitá-lo.

Flashback.

Ao ouvir o pedido do amigo, Guilherme ergueu uma sobrancelha em evidente curiosidade e se viu obrigado a perguntar.

– Inclusive a Rose?

Neném deu um sorriso fraco e sem vontade.

– A Rose... viajou de novo a trabalho – respondeu o atleta, suspirando. – Ela ligou ontem pra me avisar. Precisou ir às pressas substituir um colega que sofreu um acidente.

Guilherme suspirou. Parecia-lhe ver, no rosto de Neném, a mesma expressão infeliz e amargurada que havia fixado residência em seu próprio rosto durante os dezoito anos de duração de seu primeiro casamento, expressão essa causada pelo desinteresse e pela indiferença da sua agora ex-mulher. E, justamente porque não queria ver o amigo passando por tudo que ele próprio tinha passado, causando a Paula a mesma dor que o próprio Guilherme havia infligido a Flávia, o médico decidiu fazer com Neném o que ninguém tinha tentado fazer com ele.

– Luca... – Guilherme sentou-se na cadeira reservada para acompanhantes, ao lado da cama de Neném. – Eu sei que não me cabe interferir na sua vida. Você é um homem adulto e deve muito bem saber o que faz. Mas... Eu ainda não me perdoo, e nunca vou me perdoar, pela dor que eu causei à Flávia por estar numa situação exatamente igual à sua.

Neném olhou com curiosidade para o médico, que estendeu as longas pernas diante de si.

– Desde que você e a Rose se acertaram, Neném, é como se você viesse perdendo o seu brilho. Você não é mais o homem alegre, cheio de vida e disposição que nós conhecemos naquele dia do acidente. É como se um peso tivesse se alojado nos seus ombros, te afundando cada vez mais, e você não consegue se desvencilhar dele. – O médico olhava fixamente para o jogador. – Além disso, nas últimas semanas, enquanto eu me lamentava porque a Flávia tinha saído de casa, você só sabia falar da Paula. Sobre como ela era fantástica, corajosa, determinada, forte. O seu brilho voltava quando você falava dela. E, quando eu te perguntava da Rose, o seu brilho sumia de novo.

O atleta abaixou os olhos, fingindo estar hipnotizado pelo lençol branco que cobria suas pernas. Era fácil, para ele, ignorar os comentários atentos de Osvaldo e as alfinetadas ácidas de Paula, quando sabia que os dois, Osvaldo e Paula, nunca haviam torcido pelo sucesso de seu relacionamento com Rose e só tinham a "ganhar" com o fim deste.

Mas Guilherme... Era difícil, quase impossível, ignorar as observações de Guilherme, porque o médico estava de fora e nada tinha a ganhar com a separação de Rose e Neném. Além disso, a voz firme e tranquila do médico era a de um homem que tinha passado exatamente por aquela mesma situação e conhecia muito bem o final daquela história.

– Além disso – prosseguiu o 'doutor das galáxias' – eu me lembro muito bem do que aconteceu no dia do parto da minha filha, Neném. Depois que a Paulinha nasceu, você ficou olhando pra Paula como se ela fosse a coisa mais deslumbrante que você já tinha visto. E... – O moreno fez uma pausa, mordendo o lábio inferior num lampejo de indecisão. Por fim, pareceu decidir-se e respirou fundo. – Naquele dia, você olhou pra Paula do mesmo jeito que eu olhava pra Flávia quando meu casamento já tinha acabado e eu não queria admitir nem pra mim mesmo que estava apaixonado por ela.

A última frase fez com que Neném agarrasse o lençol com firmeza, com as juntas dos dedos ficando brancas. O silêncio pairou sobre o médico e o atleta. Após algum tempo, Guilherme suspirou e levantou-se, dando um leve tapa no ombro do amigo.

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