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Flávia deu um risinho ligeiramente incrédulo diante da hipótese apresentada por Guilherme para seu mal-estar, sacudindo a cabeça levemente num gesto negativo.

– Claro que não, Gui – negou ela, ajustando Paulinha, que havia acabado de mamar, no ombro para que a menina arrotasse – A minha menstruação... – Um cálculo rápido feito de maneira mental, porém, fez com que a cantora se calasse, e ela arregalou discretamente os olhos negros. Virando-se para a mesinha de cabeceira, ela pegou o celular e abriu o aplicativo que usava para monitorar seu ciclo.

Ali, bem visível na tela preta, estava escrito em letras verdes garrafais. MENSTRUAÇÃO ATRASADA HÁ 10 DIAS.

Guilherme, que espiava a tela do celular de Flávia por cima do ombro dela, deu um largo sorriso e, num gesto impulsivo, puxou o rosto da esposa para si e a beijou com muito carinho, apoiando a mão sobre o ventre ainda liso dela. Flávia, ainda meio atordoada, sorriu contra os lábios do esposo, cobrindo a mão dele em sua barriga com a dela.

– Outro bebê, meu amor – sussurrou ele quando eles se afastaram, mantendo as testas apoiadas enquanto roçava carinhosamente o nariz no da cantora. Paulinha aproveitou o silêncio e o momento dos pais para soltar um sonoro arroto, arrancando uma risada gostosa do casal – Você foi promovida à irmã mais velha, Paulinha! – Disse o médico com uma voz infantil quando a esposa acomodou a filha sentadinha em seus braços – Nossa família vai pirar. Sua mãe vai querer acompanhar tudo! – Continuou ele, beijando o ombro da esposa, tomado por uma euforia enorme.

Um segundo filho com Flávia era algo além de toda e qualquer expectativa. Já se sentia extremamente feliz e satisfeito com a família que tinham formado juntos – Flávia era uma mãe extremamente devotada para Paulinha, e uma madrasta muito carinhosa para Antônio – mas não podia negar que queria a experiência de uma gestação tranquila para sua mulher. A gravidez de Paulinha tinha sido muito turbulenta, começando durante a troca de corpos e sendo vivida durante o ano em que nenhum deles sabia quem seria escolhido por 'Ela', chegando ao fim durante a separação deles e com o parto ocorrendo num local extremamente inadequado. A filha deles ser saudável e perfeita era uma vitória, mas Flávia merecia uma segunda chance de ter uma gestação serena.

Guilherme nunca esqueceria as inúmeras crises de ansiedade que Flávia tivera ao longo da espera por Paulinha. Pelo menos uma vez por mês ela acordara atormentada por pesadelos em que condenava a filha à mesma existência que a própria Flávia tinha tido, crescendo sem o amor, os cuidados e a presença da mãe, e Guilherme passara horas acalmando a esposa, reiterando que ela não seria a escolhida (como, de fato, não foi) e que, se fosse, ele mesmo cuidaria pessoalmente da menina deles e criaria Paulinha deixando claro que ela tinha sido extremamente amada e desejada por Flávia, desde o primeiro segundo.

Flávia não sabia o que sentir. Por um lado, estava extremamente feliz. Sem saber, ecoava os mesmos pensamentos de Guilherme – o novo bebê era uma chance de ter uma gravidez tranquila, e tanto ela quanto o marido sempre falavam sobre como seria bom Paulinha crescer com um irmão. E havia amor de sobra em sua família. Sua segunda criança seria muito bem-vinda, disso não duvidava.

Por outro lado, porém, perguntava-se se daria conta de duas crianças com pouco mais de um ano de diferença entre si. Paulinha ainda era tão pequena, tão dependente dela! Por mais que Guilherme ajudasse, os cuidados com a menina recaíam primariamente sobre a própria Flávia, e Paulinha por consequência era extremamente apegada à mãe. Seria justo privar a filha de sua atenção e seus cuidados, ainda que para dividi-los com um irmãozinho?

Além disso, tendo deixado para trás a turbulência dos meses do prazo dado pela Morte, somente agora ela e Guilherme estavam vivendo a fase do namoro. Faziam programas de namorados, como ir ao cinema, sair para dançar, esticar a noite no motel (Lu, a recepcionista do Arriba Karakas, inclusive passara a deixar a suíte de pole dance reservada para eles, entregando a chave com um sorrisinho cúmplice sempre que chegavam no local).

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