Carona para casa

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- Onde está ela? Já era para estar aqui! - reclamou Liam ao perceber que nossa irmã mais velha não estava nos esperando na estação Bright River.
Muriel sempre foi assim, esquecida. Vivia esquecendo de me buscar na escola quando eu tinha 13 anos e nas aulas de dança aos 14, mamãe sempre achava graça. Liam odiava. Odiava ser esquecido nos lugares e odiava mais ainda depender dos outros, especialmente de Muriel.
- Ela deve estar atrasada, - Victoria havia dito há 20 minutos. - deve estar ocupada preparando sua primeira aula na escola de Avonlea.
Como eu disse, isso fora há 20 minutos. Já estávamos esperando Muriel há quase 40 minutos e, definitivamente, ela esqueceu da gente. Já estava escurecendo, talvez fosse melhor procurarmos uma carona, ou que encontrássemos algum abrigo para passar a noite, talvez a sombra de uma árvore como a linda árvore branca do outro lados dos trilhos. Que besteira que estou pensando, podemos pagar por um quartinho em algum hotel próximo, não preciso dormir sob as estrelas. Não mais.
- Anne, o que está fazendo aqui? - disse uma voz masculina se aproximando de nós. Senti uma mão puxando meu ombro para que me virasse e resisti à vontade de gritar. - Desculpe, achei que fosse outra pessoa. - o homem disse assim que viu meu rosto, e se virou para ir embora.
- Espere, - falei antes que ele pudesse se afastar muito. - Meu nome é Eliza e esses são meus irmãos Liam e Victoria, o senhor pode nos ajudar?
- Ahn, acho que sim An- senhorita Eliza. - ele respondeu.
- Aí que bom! Minha irmã esqueceu de nos buscar, o senhor conhece algum lugar que possamos passar a noite? - perguntou Liam.
- Para onde estão indo? Quem sabe eu não posso dar uma carona para vocês! - o senhor respondeu.
- Estamos indo para Avonlea, Sandy alguma coisa... - respondeu Vicky
- Ah, Sandy Haven! Não sabia que tinha alguém morando lá, posso levar vocês se quiserem, é perto de Green Gables! - ele respondeu.
- ah, muito obrigada senhor ... desculpe, qual seu nome mesmo? - perguntei
- Matthew, Matthew Cuthberth!
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A viagem até Sandy Haven, foi rápida e silenciosa, percebi que o senhor Cuthberth era um homem calado e, apesar de adorar conversar e sempre ser chamada de tagarela, preferi me manter em silencio para não incomodá-lo. Durante o caminho Matthew Cuthberth nos mostrou as redondezas, como, a escola, a igreja e o caminho para sua amada fazenda Green Gables. Avonlea era uma linda cidadezinha e quanto mais adentrávamos a estrada, mais o cheiro da maresia entrava em nossos narizes.
Ao chegarmos na entrada de uma casinha próxima ao mar, vi minha irmã mais velha sair apressada da casa buscando sua motocicleta. Matthew Cuthberth parou sua carroça em frente a um caminho de pedrinhas que davam na porta da casa. Liam desceu primeiro e ajudou a mim e a Victoria a descermos, enquanto o senhor Cuthberth retirava nossas malas de dentro do transporte.
Muriel veio dos fundos montada em sua motocicleta e quase passou por nós antes de enxergar a carroça e nosso grupo ao lado dela.
- Eliza, Liam, Victoria! Como chegaram aqui? Me perdoem, perdi a hora organizando tudo para a chegada de vocês! Estava indo agora mesmo pedir a carroça de algum vizinho emprestada. - ela disse, jogando a moto no chão e correndo para nos abraçar.
- É claro que perdeu a hora. - reclamou Liam.
- Deixe de ser rancoroso, irmão. Senti sua falta Muriel! - falei. -  E não se preocupe, irmã, conseguimos carona com um de seus vizinhos, o senhor Cuthberth!
Assim que falei seu nome, o homem saiu de trás da carroça com seu chapéu em mãos.
-  Olá, a senhora deve ser a nova professora! Foi um prazer trazê-los aqui! - ele disse.
- Muito obrigada senhor Cuthberth. Aceita jantar conosco antes de partir, como agradecimento? -Muriel ofereceu.
- Temo que já está na minha hora de ir, minha filha Anne espera por mim para o jantar. - respondeu educadamente. - Ela será uma de suas alunas, senhorita! E acredito que estudará com seus irmãos!

- Ah, que maravilha! Estou ansiosa para conhecer todos os meus alunos, meus irmãos só vão começar a estudar na terça-feira, para poderem descansar amanhã! - minha irmã respondeu, enquanto senhor Cuthberth subia em sua carroça.- Foi um prazer conhecê-lo, senhor Cuthberth!

- Pode me chamar de Matthew, acredito que ainda vamos nos ver muitas vezes! - respondeu enquanto guiava seu cavalo para longe de nossa casa. 

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- Eliza, Liam, desçam para jantar! - chamou Liam.

Terminei de guardar meu último vestido no armário de meu novo quarto e sai pela porta, indo em direção ao quarto de Victoria para bater em sua porta. 

- Vamos logo, Liam! - chamei. 

Desci as escadas e fui em direção a cozinha, onde Muriel e Vicky terminavam os preparativos para o jantar. Peguei a toalha de mesa, os pratos, talheres e copos e montei a mesa na sala de jantar. Liam apareceu nas escadas assim que terminei e foi até a cozinha pegar as bebidas no momento que Victoria e Muriel saiam de lá com a refeição.

- Essa carne assada está divina! Você se superou, Vicky! - elogiou Liam, assim que começamos a comer. 

- Está mesmo maravilhosa irmã, mas me contem, como foi de viagem? - perguntou Muriel.

- Terrível! Ainda me sinto enjoada da viagem de barco. - respondeu Victoria. 

- Pelo menos o seu estômago fez com que Eliza conhecesse um possível pretendente. - Murmurou Liam. 

- De onde tirou isso, idiota? - reclamei. 

- Não chame ele assim, Eliza! - disse Muriel.

- É, não chame ele assim Eliza! - zoou Liam. - E até parece que você não notou os olhinhos de cachorrinho que ele te deu. Só faltava ele dar a coleira na sua mão.

- Ai não seja estúpido! 

- Olha quem fala, - disse Victoria. - Você estava praticamente babando na mãe dele! Meio nojento, se parar pra pensar. 

- E você não conseguia tirar os olhos de Prissy! - retrucou Liam, com raiva.

Vicky, que levava o garfo em direção a sua boca, parou o braço no ar. Ainda de boca aberta, ela largou os talheres sobre o prato e se jogou no encosto da cadeira. lágrimas chegaram em seus olhos e seus lábios se fecharam, trêmulos.

- Você prometeu que não diria nada a ninguém! - disse, se levantando e correndo escada acima, na direção de seu quarto. 

- Você é um idiota Liam! - xingou Muriel, seguindo Vicky. 

olhei para liam, que tinha um olhar triste e arrependido. baixei meus talheres no prato, devagar. me levantei e comecei a recolher os pratos. 

- Não que as preferencias de Vicky fossem um segredo, mas você vacilou feio. 

- Eu sei, desculpa ter falado sobre você e o menino lá. - respondeu. 

- Não se preocupe, eu também percebi o olhar dele. Só não acredito que iremos nos encontrar novamente, e sabe que não gosto de alimentar esperanças. - eu contei. - Inclusive, você fica com a louça hoje. - avisei, com um sorriso. subindo rapidamente as escadas para meu quarto. 

Sem vontade alguma de participar nas discussões da sexualidade alheia, troquei meu vestido de viagem por um pijama de seda e fiz tranças para manter meu cabelo ondulado. passei um creme de mel no rosto e peguei minha leitura atual para ler antes de dormir. 

Li dois capítulos e fechei o livro, deixando na mesa de cabeceira. Apaguei a vela que iluminava o quarto e quase chorei por sentir falta da energia elétrica que havia em minha casa de Nova York. Deitei minha cabeça no travesseiro e me pus a pensar sobre a semana livre que teria antes das aulas na escola de Avonlea. Logo meus olhos se fecharam e pude sonhar, que há muito não fazia. 

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