Prólogo

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A casa da família Willis, diferente do comum, estava silenciosa. Não se ouvia o barulho dos sinos da varanda, que tilintavam toda vez que passava uma brisa primaveril. Os risos infantis da neta da Sra. Willis já não ressoavam pelos corredores da linda mansão, iluminados com os primeiros raios de sol de cada manhã.
"Aquela foi uma segunda feira esquisita" afirmou a senhora Fraser, vizinha dos Willis, durante o chá de domingo semanal das senhoras de Yarmouth. "Já havia me acostumado a despertar com o choro matinal da pequena Lizzie, mas na segunda feira só acordei perto das nove, com meus próprios filhos batendo na porta do quarto. William também não acordou, é claro, mas ficou tão surpreso quanto eu."
No início da semana, os moradores dos arredores da mansão - carinhosamente apelidada de 'melody' - perceberam algo atípico na região, que só foi confirmado quando a senhora Genevieve Willis não compareceu à tão sagrada missa de domingo.
"Será que Genevieve morreu?" Questionou a senhora Nadeau.
" Vire essa boca para lá Emmilia!" Reclamou a senhora Blais "Nós saberíamos se ela estivesse doente, teria pedido que alguma de nós cuidasse da criaturinha ruiva até que Bertha e o tal de Walter voltem de viagem!"
"Só estou dizendo, Genevieve já não é tão jovem! E se foi uma doença, nada impede de que a criança também tenha pego! Na verdade, aposto que foi a própria Eliza que trouxe essa doença, sabem bem sobre o que dizem das crianças ruivas. Bruxas, é o que dizem, fazendo todo o mal! Podemos estar todos em perigo!" Replicou a senhora Nadeau.
"Não diga bobagens Emmilia." Defendeu a senhora Bernier, que era bem próxima da filha de Genevieve Willis, Bertha. "Vai mesmo acreditar que uma criança de 2 anos seria capaz de algo assim? E você conhece Eliza, aquela menina é um doce, uma contadora de histórias, amante das artes e curiosa que só, assim como os pais! Nada de ruim pode sair dessa menina, espero um dia poder casar Louis com ela."
"Devo confessar que no sábado, quando estava voltando da cidade, vi Genevieve na porta de casa. Ela havia acabado de receber um telegrama, ela abriu a carta, depois a fechou e entrou depressa em casa. Não a vi pelo resto da semana e agora isso. Ouvi dizer do menino Thompson que trabalha no estábulo da mansão, que todos os móveis da casa estão cobertos de lençóis e as portas estão trancadas. Havia algo naquela carta que fez a senhora Willis ir embora de Yarmouth na calada da noite"  revelou a senhora Fraser, que terminou o assunto ao servir suas colegas de mais uma travessa de biscoitos amanteigados.

À quilômetros de distância uma linda menininha de cabelos ruivos e sardas salpicadas em suas bochechas, olhava uma borboleta tão laranja quanto seus cabelos pela janela do vagão que dividia com sua avó, a elegante Genevieve Willis, que lia e relia atentamente os dizeres de uma pequena carta amarelada que tinha em mãos.

" Cara senhora Willis,
É com extremo pesar, que venho por meio desta anunciar a morte de Walter, Bertha e Anne Shirley.
Causa da morte: febre tifóide.
Meus mais sinceros sentimentos à senhora e sua familia, reverendo Gallant de Bolingbroke, Nova Escócia."

Do outro lado da província de Nova Escócia, uma bebezinha de apenas três meses deitada no colo de uma freira brincava com uma pequena borboleta tão laranja quanto seus poucos fios de cabelo. Anne Shirley, dada como morta à família, agora era enviada para o orfanato Hopetown, como mais uma das muitas vitimas do tráfico laboral de órfãos que acontecia nas colônias britânicas.

Ambas irmãs indo em direção à um futuro incerto e assustador, sem previsão para um reencontro familiar e sem garantias de que tudo ficaria bem.

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