✧♬ Hotel Sayre- Craig Armstrong
✧♬ Magic Tree and i let myself go- Craig Armstrong
"Véus delicados e terríveis nutriam a membrana frágil e roxo-claro dos meus pensamentos bêbados de madrugada, eu sabia onde eu começava e terminava: na ponta dos meus sonhos onde havia um carretel de linha para bordado pela metade, terminava num lago com reflexos cor de rosa, descalça, sentindo a areia molhada nos pés. Era para essa terra-de-ninguém que eu ia silenciosamente com lábios trêmulos e quentes, murmurando palavra alguma que pudessem traduzir."
Elize Vitale em "O Verão de 87"
(...)
Quatro de outubro de 1998
Alice acordara no momento em que as formigas de açúcar invadiam o açucareiro de porcelana fria na mesa da sala de jantar.
-Lize?? Por deus veja só isso! -ouço o barulho de reposição dos objetos de vidro que estavam em cima da toalha e em seguida o farfalhar do tecido de algodão sendo chacoalhado pelo ar- Lize? Quantas formigas você tem de estimação?? Estão por toda parte...- armários rangiam na cozinha- Li em alguma dessas revistas para casa que essências naturais ajudam a espantar formigas...ou seria atraí-las? -há uma pausa onde cabe minha ausência e a faz perceber que não respondi a nenhum de seus chamados- Elize?
Não era a primeira vez em que havia me deparado com este momento de vazio letárgico, tão oco quanto uma noz ruim, que eu preenchia com goles generosos de moët chandon. Imediatamente uma forte dor de cabeça se acomodou no canto esquerdo atrás da orelha, e se intensificou com os chamados de Alice pela casa.
Quando Alice me encontrou ouvi sua boca engolir meu nome, ela iria me chamar outra vez quando me viu silenciosa e rígida no velho balanço de madeira machucada pelas intempéries, com uma taça quase vazia e uma colcha de retalhos sobre as pernas, na entrada de casa. Seus passos fizeram barulho de pés descalços, o cheiro de essência de lavanda chegou antes de sua mão cálida encostar em meu ombro.
-Oi, quer um?- Ali se acomoda ao meu lado me oferecendo um baseado pela metade que tirou do bolso de seu cardigã branco.
-Acho que estou alta o suficiente por enquanto, mas obrigada, Ali.
Ela se curva, o isqueiro vermelho na mão direita, o estalido das faíscas pulam para fora do meu campo de visão. O volume loiro claro de seus cabelos vestiu as costas de Ali como uma manta brilhante quando uma nuvem cinzenta assoprou uma pergunta.
-Você nunca soube beber, não é Lize?- e ela ri, pousando sua cabeça em meu ombro, puxando a borda da colcha de retalhos que estava me cobrindo para esquentar seus joelhos.
E ficamos em silêncio, enquanto alguma coisa respirava em segundo plano e a verdade é que éramos nós, era o medo de que nosso peso derrubasse os braços bambos daquele balanço, mas eu gosto de pensar que é o mar daquela Verona perdida no tempo que eu insistia em nutrir com segredos de amor e lábios bêbados, memórias de infância, laços de cabelo e a mesma história contada todas as vezes em que se tinha chance de contar e, agora sei, foi isso que tornou as sinapses nervosas dos meus sentimentos cada vez menos resistentes a tudo que se referia ao verão de 87 e suas enormes mãos invisíveis que me carregavam madrugada para fora de casa sem que eu sequer percebesse, mas ela percebeu, e me questionou:
-Sabe quanto tempo passou aqui fora?
-Pouco mais de quinze minutos, como sempre.
Pela visão periférica, notei a expressão de preocupação de Ali se formando sobre mim como nuvens de tempestade de verão, como quando é fim de tarde e parece o fim dos tempos e a gente se arrepende dos pecados, de ter deixado alguma coisa no meio do caminho e de não ter amado até envelhecer. Ela me destacava de mim mesma como uma folha para calendário e marcava com caneta esferográfica colorida o dia em que tudo ficaria bem outra vez.
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❝ Summer Wine Vol. II ❞ + kth
FanfictionEm 1987, enquanto te entregava meu sonho de uma noite de verão em forma de cerejas, vinhos e fugas do internato, sussurramos às estrelas que escrevessem nossos nomes no céu italiano. O meu poeta insondável roubou todas as minhas valsas para sua lábi...