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DR. WEXLER

— Katrina, o gravador está ligado? Muito bem, está. Passe o microfone. Sou o dr. Wexler, e estas são as transcrições de minhas sessões gravadas com um
certo casal Sprouse, desde o dia primeiro do mês passado. Compiladas e digitadas pela minha assistente, Katrina Õstlicher. Também incluem comentários copiados de minhas anotações a respeito da expressão facial dosacientes, sua linguagem corporal etc. etc, como de praxe, e assim por diante. Quando o sr. e a sra. Sprouse entram no meu consultório, fico um tanto surpreso. Em primeiro lugar, são um pouco mais
jovens que a maioria dos casais que vêm me procurar. Muito bonitos também. Como artistas de cinema, na verdade, os dois. Cheirosos, elegantes. Educados. Ambos parecem muito agradáveis e inteligentes. E estão sorrindo. Olhando para eles, qualquer um diria tratar-se do casal perfeito.

— "Afinal", penso, "o que vocês dois estão fazendo aqui, num consultório de terapia de casais?". Às vezes meus clientes irrompem na minha sala num acesso de fúria. Às vezes entram quietinhos — vulcões prestes a
explodir. Às vezes posso até perceber que discutiam na sala de espera. Ah, as coisas que minha recepcionista conta... Daria até para escrever um livro!
Mas esses dois... Nenhuma pista. Em público, são talvez um tanto gentis demais; de resto, são extremamente afetuosos um com o outro. Observo que ele até puxa a cadeira para a mulher se sentar. E ela diz: "Obrigada."Coisa rara, em meu consultório. Fico imediatamente interessado. Trabalho nesta área há quase 23 anos, e já vi de tudo um pouco. Mas, de modo geral, as pessoas se encaixam em certas categorias preestabelecidas. Marido traiu a mulher com outra. Mulher traiu o marido com outro. Ou com outra. Mulher mais bem-sucedida no trabalho que o marido, e assim por diante.
Mas minha intuição diz que algo diferente está se passando com o sr. e a sra. Sprouse. Um caso interessante, deduzo. Como de praxe, pergunto se posso gravar nossa conversa. O que vem a seguir é a transcrição verbatim dessa sessão, pontilhada com os meus comentários e observações.

PRIMEIRA SESSÃO, SR. E SRA. SPROUSE

Espero o sr. e a sra. Sprouse se acomodarem. Olhando sobre a armação dos óculos, sorrio para eles; seguem-se algunsminutos durante os quais lhes ofereço café e chá (ambos agradecem), abro um arquivo novo para o casal, escolho uma caneta entre as várias sobre a mesa, limpo as lentes dos óculos — um artifício para dar aos clientes a oportunidade de relaxar um pouco antes da primeira pergunta.

NOTA: O sr. Sprouse já se inclina para a frente, ansioso para esclarecer algo.


— Muito bem, então. Em primeiro lugar, quero dizer que a gente não precisava exatamente ter vindo aqui... — Sr Sprouse diz

NOTA: Sim. Muitas pessoas começam dizendo isso.

— Na verdade, é uma história engraçada. — Sra Sprouse diz sorrindo

— Estávamos num evento de caridade, um leilão seguido de churrasco, promovido por uma igreja...— Ele começa

— uns amigos nossos, os Mendes. Muito carolas. Anglicanos episcopais.
Presbiterianos. —

NOTA: Pequena discórdia. Nada preocupante. Exceto... ah, sim, um olhar de acusação é trocado entre os dois.


— Bem, o lote principal... — Sr Sprouse volta a falar, mas é interrompido.

— um lote-surpresa! —

— Eu estava meio chapado, não ia dirigir...—

Mr. & Mrs. Sprouse - sᴘʀᴏᴜsᴇʜᴀʀᴛ Onde histórias criam vida. Descubra agora