Garoto, do que você está fugindo?

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Após receber a notícia, não consigo levantar da cama. Não sei se eu sinto culpa ou qualquer outro tipo de dor. É como se a gravidade estivesse me puxando com toda a força dela. Ao mesmo tempo em que eu consigo sentir tudo, eu não consigo sentir nada. Porém, como nada na minha vida é normal, não demorou muito para os pensamentos começarem a me assombrar.

Não foi culpa minha, certo?

Se foi, qual a minha parcela nisso tudo?

Só aquela conversa foi o suficiente para ele acabar com tudo?

Será que ele entrou no mar?

Quem se importa?!

Continuo deitado na cama e o Heitor – que está mais enturmado com a minha família do que eu mesmo – já está de pé. Rolo de um lado para o outro debaixo da coberta e não sei ao certo o que eu quero ou devo sentir. Só sei que minha cabeça está a mil e minhas mãos estão doendo. 

Após tomar coragem finalmente consigo levantar e tomo uma ducha fria. Enquanto estou debaixo do chuveiro, continuo me questionando sobre o que de fato aconteceu ontem. Estava tão bêbado que a última coisa que eu me lembro é de ter discutido com o Luís Gustavo e após afastá-lo, eu finalmente – ou infelizmente – consegui me juntar aos outros.

É, de um jeito ou de outro o Gustavo conseguiu estragar o primeiro dia do ano para todos nós. A música que deveria estar alta é inexistente; a alegria ou a ressaca que deveria estar estampada na cara das pessoas decidiu não vir hoje; e as risadas são apenas memórias de ontem. E mesmo assim, ninguém está chorando ou aparenta estar triste. Eu acho que tudo o que você deixou são perguntas com milhares de interrogações.

Me encontro com todos que eu minimamente gosto e sento ao lado do Heitor. Não sou o último a chegar, ainda falta Clarisse, Thayla, Pandora.

Todos ficam quietos assim que eu começo a me servir, como se estivessem respeitando o meu espaço. Não recebo nenhum olhar de pena ou julgamento, mas pareço ter um alvo enorme em minhas costas.

– Alguém anotou a placa? – Pandora aparece alguns segundos após eu me servir. Ela está rindo, como se não estivesse a par da situação. – O que foi? – pergunta após receber muitos olhares de reprovação.

– Luís Gustavo morreu! – sou o único que consegue falar.

– O quê? – senta, como se o seu mundo tivesse acabado – Como? Onde? O quê?

– Não sabemos ao certo, mas encontraram ele na praia, desacordado. – Stefanie diz e eu paro de mastigar na hora, pois a comida não vai descer – Eu acho que ele se afogou. – terminou.

É, a comida não vai descer, ela vai voltar.

Levanto rapidamente e entro no banheiro mais próximo. Levanto a tampa do vaso e o pouco que eu comi começa a sair com mais facilidade do que o normal. Sinto uma mão em meu ombro, mas não consigo ver quem é, pois continuo a jorra líquido.

"Eu não sentiria nada por você, nem se você se afogasse nesse mar!"

Essa frase rodou a minha mente como uma espada perfurando o meu coração.

– Ei, está tudo bem? – é o Heitor. Ele está acariciando as minhas costas, como se fosse resolver alguma coisa.

– Sim! – minto.

Dou descarga e abaixo a tampa do vaso, sentando no mesmo logo em seguida.

– Eu sei que é difícil pra você, depois de tudo o que vocês passaram. – agora ele me puxa pela cabeça e eu vou de encontro com o seu corpo. Começa a fazer carinho em minha cabeça.

Penso em contar tudo para ele. Contudo, não quero que ele me olhe de uma forma diferente. Como que eu vou olhar para ele e dizer que eu sou igual a todos da minha família? É óbvio que o fruto não cai muito longe da árvore, mas eu sou diferente, eu sou melhor... ou pelo menos tento ser.

– Eu conversei com ele ontem. – ele diz e eu continuo olhando para o meu horizonte enquanto permaneço em seu abraço – Tudo bem que ele te feriu. Porém, ele foi legal comigo; todos aqui estão sendo. E ele me pareceu abalado, vulnerável.

– Em que momento essa conversa aconteceu? – consigo perguntar.

– Logo após nós termos voltado da praia. – o encaro surpreso – Ele estava sentado, sozinho, daí eu me aproximei. Não me lembro da conversa que tivemos.

– Acho que isso não importa mais. – ele deu de ombros.

Saber que ele não se jogou no mar logo após a nossa conversa diminuiu a minha culpa, mas não é o suficiente para fazer com que ela vá embora de vez. Muito pelo contrário, faz com que eu sinta mais duvida em relação a tudo.

Voltando para a mesa do café escuto uma voz histérica. Ao chegar, descubro que é a Clarisse. Ela está de pé enquanto todos estão dando atenção exclusivamente para ela.

– É zoeira, né? – continuou rindo – Vocês brincam com qualquer coisa. – revirou os olhos.

– É sério, garota! – Stefanie diz.

– Caralho, e como que aconteceu? – pergunta sentando perto de sua irmã. Ela aparenta estar mais curiosa do que triste – Conta tudo, sem pular nenhum detalhe.

– Você podia ter um pouco de senso! – Pandora a repreende.

– Ele já se foi. Não há nada o que a gente possa fazer. – silêncio – O que foi? Todos estão pagando de santos agora? – mordeu um morango e começou a mastigar de boca aberta, encarando um a um.

– Ignorando tudo o que essa garota falou – encaro a Clarisse – o que nós iremos fazer? – pergunto, acabando com o silêncio.

– Bom, a família dele está cuidando de tudo. – Stefanie parece saber mais do que todos nós. – E hoje é a nossa última noite aqui. Nós iremos embora amanhã...

– Diz logo que ninguém se importa e que nós vamos curtir o nosso último dia independente de tudo. – Clarisse cospe as palavras como se estivesse muito tampo guardando-as.

– Ainda tem carvão, carne e cerveja. – Thayla chega e é outra que não sabe o que está rolando.

– Dói concordar com a Clarisse, mas eu vou fazer isso. – Clarisse olha para a Pandora com nojo – Nós não podemos fazer nada, além de curtir o nosso ultimo dia aqui.

– Eu quero ir embora! – Heitor diz em meu ouvido e eu assinto.

– O funeral dever ser só amanhã, então nós podemos curtir hoje sim. – Stefanie parece estar animada com a possibilidade de fingir que nada aconteceu.

– Já que todos vão ficar... – Pandora da de ombros.

– Eu e Heitor estamos indo embora. – digo levantando – Divirtam-se enquanto dançam na cova dos outros.

– Cala a boca, seu hipócrita! – Stefanie diz. Eu paro e a encaro.

– O quê? – pergunto, me aproximando.

– Você não se cansa de fazer esse papel de santinho não? – Heitor me segura para eu não me aproximar mais e ela continua me encarando com uma cara sínica. – Todo mundo sabe que você odiava ele. Não precisa fingir que se importa, apenas fica ai e se diverte com a gente.

– É, porra! – agora é a vez da Thayla – Você não se liberta. Não deixa de ficar andando com essa cara de cu pra lá e pra cá. Supera, caralho!

– Vocês duas tem muita moral para falar alguma coisa de mim, né! – ri.

Heitor fala algo no meu ouvido, mas eu não escuto muito bem.

– Você só bate na mesma tecla. – Stefanie continua.

– Silêncio, a rainha que vive em um looping infinito está falando! – ri negando com a cabeça – Vão se fu...

– Muito obrigado pela recepção e esse dia maravilhoso! – Heitor começa a falar com uma oscilação na voz – Nós estamos de saída! Adeus. – ele começa a me puxar e eu não olho para trás.

O PROBLEMA DOS HEERISOnde histórias criam vida. Descubra agora