Não lembro de nada, então não há nada para me arrepender

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Me assusto. Não consigo me lembrar se isso de fato aconteceu ou é apenas um sonho, digo, um pesadelo. Foi tão real. Eu pude sentir a areia gelada em meus pés; o vento batendo em meu rosto; o calafrio após a primeira onda me atingir; o arrependimento e por fim a morte segurando em meus ombros. Eu acho tão impressionante o modo em que a nossa mente brinca com a verdade. Por mais que eu bata cabeça, não consigo me recordar de nada após a discussão na praia. Nada além do que me parece uma lembrança.

Já se passaram dois dias desde que o Gustavo faleceu e mesmo morto ele continua a me assombrar.

Dois dias, dois pesadelos.
Dois dias, duas noites mal dormidas.
Dois dias, duas mortes.

Não consigo pensar em outro motivo para a morte do Gustavo, além de ser algo que ele propositalmente fez para me atingir. Não, eu não quero que isso se torne sobre mim, mas não há escapatória, sempre que algo acontece eu estou conectado. E isso não é ser narcisista, e sim observador.

Por mais que eu não consiga me lembrar da pós-discussão, eu não duvido nada da minha capacidade de ver o Gustavo se afogando e não fazer nada para ajudá-lo, e eu não me arrependeria disso se de fato tivesse acontecido. A única coisa que me preocupa agora, é apenas o carma.

Que o carma virá para todos nós é um fato, eu mesmo já acho que paguei uma grande parcela dele. Mas e agora? E se o meu lado da calçada não estiver limpo? Consciência limpa conta?

Como que eu posso viver com a dúvida de se eu deixei alguém morrer afogado ou não? Como que eu entro no mar depois disso?

Talvez eu deva aprender algo com a Stefanie e não ligar para as consequências. Se tem alguém que é boa em fazer merda e não ligar para isso, é ela. Como, por exemplo, o dia em que a tia dela teve um ataque cardíaco em sua frente e a mesma não fez nada, pois as duas haviam passado por um monte de coisa e resolveram parar de se falar.

Ou, então, com Clarisse, que mesmo depois de ter sido esculachada, ignorada e agredida, deu uma chance para o Cauê como se nada tivesse acontecido no passado deles, quando eles eram apenas amigos.

Talvez eu aprenda com a Thayla e eu apenas aceite essa situação, não me importando quão o quanto isso me incomoda. Eu posso dar uma olhada geral na situação e apenas dizer "ok!" e seguir em frente como se nada tivesse acontecido.

E se eu fizer igual a Pandora e viver em fantasias em que eu posso fazer tudo, pois eu sou capaz, acredite os outros ou não?!

Há muitas duvidas sobre a morte do Gustavo e eu tenho certeza de uma coisa, isso não vai me atingir como atingiria a dois anos atrás. 

O PROBLEMA DOS HEERISOnde histórias criam vida. Descubra agora