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Sagaz

Sábado, 17:33 e eu ainda não dormi.

Dino: Vai dormir não?

Eu: Depois

Dino: Vai aguentar nem um copo de whisky mais tarde

Eu: Vou nem brotar nesse baile - ele me olha - Se organiza com a tua molecada e tira teu descanso

Dino: Hoje?

Eu: É, não curtiu o baile ontem, curte hoje

Dino: Jae - ele ajeita a postura com o fuzil na mão na porta do bar que já é ponto e eu tomo um gole da cerveja virando pra rua, vejo o branquinho passar falando com a contenção e me cumprimenta com um aceno de cabeça, lembro da Dandara que tava com ele ontem. Essa garota é coisa de maluco, papo reto. Vagabundo come na mão dela fácil, não duvido. Mulher daquele porte não tem quem não fique doido, com aquele jeito de quem sabe o efeito que causa aonde passa, me instiga pra caralho.

Se eu não tivesse tão cansado até acionava ela hoje, mas tô quebrado, papo reto.
Mato a long neck de Heineken e levanto tirando o fuzil do pé e cruzando no peito pra fazer a última ronda.
Dou uma volta pela comunidade que já tá agitada e paro num barraquinho que tô ficando do lado da boca

Eu: Se adianta, Dino. Segunda quero tu comigo, tenho que atravessar pra maré pra resolver uns bagulho

Dino: Tranquilo, qualquer parada tu me aciona no rádio - faço um toque com ele e viro entrando pelo portão pequeno

Dino: Três aqui, dois na ponta e dois em cima. - ouço ele dar as ordens pros moleques da contenção e eu entro na casa que é só um quarto com um banheiro e jogo uma água no corpo, meto qualquer short e me jogo no colchão do chão e apago.

Dormi pra caralho. Só acordei no domingo já quase anoitecendo, fiquei na preguiça a porra do dia todo também, só enchendo a cara de maconha e cachaça, faz parte.

———

Passei esse tempo botando o morro em ordem, reorganizei a molecada e agora é botar essa porra pra lucrar

Eu: Como é que aquele cara vivia nessa porra? Só prejuízo, mané. Sem lucro nenhum

Dino: Vivia de droga e putaria, a favela que se foda

Conheço Dino desde moleque, é fechamento e disposição purinha, por isso fiz questão de trazer ele comigo, botei como chefe da minha contenção, mas queria ele do meu lado, agora tá aí de frente na parte baixa do morro. Teteu é o chefe da contenção agora, deixei na responsa do Dino de escolher o substituto dele, se vacilar é os dois que tá na reta. Branquinho também veio pra minha contenção, gostei do cara e mereceu subir.

Eu: E o Russo?

Dino: Segunda remessa tá vindo essa semana aí, ficou de me confirmar se vai ser no começo ou final

Eu: Como?

Dino: Caminhão né, filho

Eu: Dar a vida nessa porra aí - ele concorda e começa a gravar um áudio - E o Juca? Pulou mermo?

Dino: Pulou, pro vizinho - olho pra cara dele

Eu: Tá na pedreira?

Dino: Ainda, levou um bonde com ele. Me surpreendeu foi os cara aceitar

Eu: Favela falida, vai recusar os caras? Vai nada.
Tá ligado que ele é irmão do Mula, né? - ele me olha

Dino: Papo reto? - confirmo - Já vem pica

Eu: Por isso que eu tô te falando pra agilizar essa porra com o Russo. O viado vai chegar lá abrindo a boca, sabe de tudo aqui dentro, conhece os quatro canto dessa favela, bagulho é sério. Ele é mais esperto que o irmão dele

Dino: Se for espero mesmo nem vai tentar - não falo nada

Os cara da facção passou o Mula que era o dono daqui, mas deixaram o frente que é irmão do finado, o filho da puta pulou logo. Aí tu me pergunta; pra que? Pra me fuder.
Não aceitou que tiraram ele do comando do Chapadão, aí pulou pra tentar tomar de mim.
Tenta a sorte, Juca, tenta mermo que o azar já é certo!

Olho a tela do celular que acende quando chega uma notificação do instagram me sugerindo o perfil de um contato; Dandara.
Abro o aplicativo entrando no perfil dela e viajo nas fotos e vídeos postados. Olho o stories, várias selfies realçando o azul do olho, linda pra caralho.
Sigo o perfil e curto os stories.

Eu: Bora, ronda. - coloco o celular no suporte e colo o fuzil no peito saindo da boca, subo na moto que tá parada na rua estreita e olho os moleques na laje palmeando tudo lá de cima. Dino sobe na moto dele e eu ligo a moto descendo o morro, paro no ponto de venda ali de baixo e dou uma palmeada no movimento, tem dois vendendo e até que tá com um movimento maneiro.
Esse ponto é o mais lucrativo do morro, muita gente que sobe pra comprar aqui, principalmente maconha que é outro nível comparado a essas bocas espalhadas aí pela pista.

Hoje é quinta e feriado amanhã, favela já tá no agito, vai ter até um bagulho de pagode num bar lá pra cima, geral comentando essa parada.

Dino: Qual foi, molecada - um dois moleques para do lado da moto

Pivete: Fala, tranquilo? - ele aperta a mão do Dino e eu só mexo a cabeça em cumprimento

Dino: Como é que tá ai?

Pivete: Suave, pô. Tá lucrando - eu levanto uma sobrancelha olhando e ele desvia o olhar encarando o Dino - Pode ficar tranquilo

Eu: É pra vender essa porra toda hoje. Pagode que vai ter aí, ainda vai emendar com feriado, baile

Dino: Bagulho vai bombar - ele ri

Eu: Quero ver como é que vai ficar essa parada aí - encaro o garoto que deve ter uns 18 no máximo

Pivete: Tudo nosso - da um sorriso fraco e eu marco mais um dez ali de olho neles e decido subir

Eu: Vou subir

Dino: Vai lá, mais tarde eu broto la no pagode - não respondo e acelero a moto subindo o morro sendo seguido pela contenção. Nem sei se vou brotar nesse bagulho, tô querendo ficar tranquilo hoje

Neurótico Onde histórias criam vida. Descubra agora