#SomosTodosCarecas

65 9 6
                                    

Vejamos, uma tragédia às vezes pode ser o marco inicial para mudar de vida e tornar-se melhor... Foi essa a conclusão que tive após presenciar uma situação de acaso e mistério. Numa quarta-feira, andando pelas Avenida de São Sebastião avistei um envelope azul ainda lacrado próximo há um banco de madeira aí presente. Guardei-o no bolso. Ao chegar em minha casa, abri-o e, com minúcia comecei a ler uma espécime de relato pessoal, talvez a escritora tivesse descarregado seus mares de emoções e sentimentos naquele simples papel amarelado. Foi assim que o li, reli e vou transpô-lo aqui... Assim dizia:

~··~··~··~··~··~··~··~··~··~··~··~··~··~··~··

Para muitos, o simples ato de acreditar pode não fazer mais sentido, porém, penso que não haveria sentido, não acreditar. Até por que, se eu não acreditar, quem vai? Uma coisa eu aprendi, a vida é feita de ilusões, coisas que dão certo e coisas que não dão. A questão é: será que uma doença vai me dominar? Será que devo buscar a felicidade mesmo sabendo que o que eu fizer hoje pode ser pela última vez, pois o amanhã pode não existir para mim? Mas se as únicas coisas que podem me trazer alegria me abandonarem? Eu não quero ser estorvo de ninguém, mas não quero que me deixem... Talvez toda essa sensação, toda essa melancolia, seja apenas um efeito colateral de se estar morrendo...

Bem, essas perguntas não possuem uma resposta concreta e lógica, pois o que diz respeito aos sentimentos vai muito além do que se pode acreditar ou imaginar. Isso mexe conosco e nos faz sofrer os "sintomas" da contradição. Esses "sintomas" nos faz enxergar coisas que, por mais que ditas, não são compreensíveis... Nada parece poder ser feito e o coração ainda vive em um poço de vozes que não querem se calar... Mas ainda, por mais que os fatos não estejam ao meu favor, eu vou esperar. Se for da vontade de Deus, não importa quanto tempo ou como, eu vou conseguir.

Chamo-me Nathalia Maria, tenho dezesseis anos e moro na região metropolitana de Brasília. Há pouco tempo fui vítima de um inesperado: um câncer no ovário. No princípio, câncer é sinônimo de morte, mas depois você "descobre" que a vida não está perdida. Inicia-se, assim, uma luta para vencer essa batalha. No meu caso foi descobrir qual era o estágio. A segunda maior dissonância disso tudo começa aqui... O meu câncer não é qualquer um, ele só foi identificado na segunda biópsia e possuía, surpreendentemente, vinte centímetros e três quilos. Pode ser até mesmo difícil de acreditar, mas sou a única brasileira com este tipo de câncer e uma das, aproximadamente, cinquenta pessoas no mundo todo.

Quando se fala em estar com câncer, principalmente nesse estágio, você passa a esquecer de tudo e acredita que aquilo é o princípio do fim. Além disso, uma situação como esta choca toda a família e amigos, e é nessa hora que nós podemos enxergar quem realmente nos ama, pois apenas estes cuida de nós até o fim. Desse modo, descobri o quão a utilidade é perigosa: nós achamos que o outro nos quer, mas nem sempre é assim, muitos estão interessados naquilo que fazemos por eles. Baseando-se nisso, apenas vamos saber quem nos parecia se aquela pessoa ficar conosco até mesmo no momento de inutilidade e não esperará nada em troca, nada.

Nunca me esquecerei do dia do diagnóstico do meu câncer. Eu só queria chorar, por um momento queria esquecer de tudo, não queria ninguém e muito menos que me consolassem.

No dia 14 de agosto de 2014 fui internada às pressas e submetida a uma cirurgia de muito risco. Graças ao Altíssimo tudo ocorreu bem, a cirurgia foi um sucesso e o tumor retirado. Mas, é claro, tive que começar a fazer quimioterapia, tinha pela frente vinte e uma sessões.

Cortar o cabelo foi um tanto difícil. Primeiro, cortei estilo chanel e, mais tarde sem ter nenhuma possibilidade de escapatória, raspei por completo. Naquele momento me senti em um caos ridiculamente inconfortante e desestruturador. Tinha medo de não ser tão mais aceita pelos meus amigos, de ser vista como a "coitadinha" ou ainda, de chamar a atenção por onde ia, simplesmente por ser uma "mulher careca". No final daquele dia fui para meu quarto, sem fazer grandes alarmes, abracei minhas pernas e fiquei bem quietinha. Pouco entendo do que realmente sentia, se pudesse, sairia correndo e fugiria para um lugar em que ninguém poderia me ver. Meditei por horas e horas, porém, enfim, levantei a cabeça, fui até o banheiro, enxuguei minhas lágrimas e, olhando para o espelho, balbuciei "A vitória é minha... eu vou, eu preciso, eu tenho fé..."

O Reino de Lino CristhieOnde histórias criam vida. Descubra agora