Ilsan, 3 de novembro de 2021.
Estava em pé na sacada vendo o movimento fraco da rua naquela madrugada, escondida detrás da cortina escura e pesada, quando finalmente ouvi o bipe da fechadura. Virei meu corpo todo em direção à porta e ele entrou, todo esbaforido.
Seus olhos se encontraram com os meus e senti meus joelhos dobrarem, fracos. Eles perfuravam minha alma como a lâmina de uma katana.
Ele jogou a mochila no sofá e veio correndo ao meu encontro.
Não trocamos uma palavra sequer. Os lábios colaram-se, violentos, impedindo qualquer indício de frase. O único som possível era da sua boca gemendo, pressionando com força todos os músculos do meu rosto, na mesma medida que suas mãos agarravam minha cintura, como se me livrassem de um precipício iminente.
Não tínhamos muito tempo. Não tínhamos tempo nenhum.
E ali mesmo nos amamos, as roupas espalhadas pelo chão, o tapete felpudo da sala servindo de repouso para nossos corpos nus, apressados, famintos. Era sempre uma primeira vez para mim. Era sempre uma lágrima que eu derramava sem que ele visse, depois de chegarmos ao nosso nível mais alto e íntimo de prazer. Uma lágrima de felicidade, mas que tinha sempre um gosto agridoce. Um sentimento de impotência, de saber que o nosso tempo era preciosamente finito. Era como aquela dor que a gente não sabe onde está. Só sabe que dói.
E hoje a lágrima parecia mais abundante. A dor parecia mais forte. A dor de saber que aquela estava fadada a ser a última vez.
Decido então dar a ele a melhor última vez. Me entrego e desfruto daquele corpo delicioso pela última vez. Permito a ele que se delicie e exploda em mim de prazer pela última vez. Mesmo sabendo que dali a pouco iria fazer o teto - daquilo que um dia ele chamou de casa - cair sobre nossas cabeças.
Mas como acabar com algo que sequer começou?
Nunca soube exatamente o que era tudo aquilo. Mas simplesmente deixei acontecer. A correnteza daqueles olhos simplesmente me arrastou. Havia correntezas intransponíveis em seus olhos. Eu era como uma criança perdida de Hamelin, levada pelo som da sua voz a um destino incerto, desconhecido. Quando dei por mim, já estava com a água na cintura.
Enquanto repouso em seu peito ainda ofegante, lembro-me novamente de quando e como nos conhecemos. Devido à minha origem coreana, a Liverpool Records havia me transferido provisoriamente do marketing para a equipe de Artist & Repertoire em 2018, enquanto encontravam outro profissional, a despeito de eu não entender absolutamente nada da área. Éramos a base de produtores e compositores de toda a Europa. O nome da empresa não aparecia necessariamente nos créditos finais, mas, sim, éramos responsáveis por muita coisa dentro do processo. E o que era para ser um quebra-galho como revisora de repertório em hangul passou a ser meu cargo definitivo até o fim das promoções de BE, quando então a empresa finalmente devolveu-me para meu cargo anterior, para desespero de Namjoon.
Passamos do nível de "completos desconhecidos" para "amigos de uma vida toda" em questão de meses. Passamos a conversar por longas horas, trocando centenas de mensagens, participando de incontáveis reuniões online onde discutíamos semanalmente o repertório dos próximos álbuns com mais uma dúzia de pessoas. Ele era muito educado, um ótimo ouvinte, mas muito incisivo em suas decisões sobre as letras das canções. Fazia e refazia estrofes inteiras se necessário, e às vezes a equipe se via presa em uma pequena expressão como "ama geugosi mi casa" (1) por horas.
E às vezes as reuniões eram somente entre nós dois.
Perdi as contas de quantas vezes ele esperou os demais participantes saírem do meet para "ficarmos a sós". E ali ele deixava o profissional, a persona RM de lado e passava a ser apenas Kim Namjoon, meu garoto, meu dongsaeng (2). Contava seus casos de amor mal resolvidos, alegrias, temores, preocupações. Ria. Chorava. Mostrava letras novas que ainda não mostrara a ninguém, lugares onde gostaria de visitar. Confidenciava coisas que não sabia se eu realmente merecia saber. Era dono de uma alma transparente, de portas e janelas abertas, escancaradas.
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Fanfiction"ama geugosi mi casa, with you I'ma feel rich." A vida de Min Gyuri nunca mais foi a mesma desde que Kim Namjoon decidiu morar nela.