2 - a procura.

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          Considerando os últimos eventos, Lisa, ao achar o papel, ainda tinha cerca de sete dias para encontrar alguém para ser sua dupla. A ruiva, por ter visto o folheto muito tempo depois do início das inscrições, acabou perdendo cerca de duas semanas de pesquisa. Agora, para ela, o maior desafio era encontrar algum ótimo jogador para compartilhar o amor pelo jogo e, na melhor das hipóteses, o prêmio.

          Inicialmente, Lisa cercava Jisoo e Jennie com uma imensa insistência de tal modo que, independentemente do número de recusas que pudesse receber, persistia, juntando saliva e determinação para encher o saco ainda mais. As amigas, que conheciam o jogo, a ordem das cartas e os diversos sinais por meio da convivência com a ruiva, não poderiam ser categorizadas como prodígios tipo Michael Phelps na natação, mas definitivamente não poderiam ser rotuladas como péssimas jogadoras. Já a ruiva, de maneira geral, mantinha um profundo sentimento de insegurança acerca de suas próprias habilidades, mas era melhor que as amigas, só não conseguia encontrar confiança suficiente em seu próprio talento e destreza. No entanto, o que estava na disputa para ela transcendia as fronteiras da autoestima, aquilo não precisava ser sobre si, já sabia lidar muito bem com perdas e derrotas, só queria ter a oportunidade de jogar, mesmo que isso significasse jogar ao lado de Jennie ou Jisoo, sem paixão pela cultura.

         De tanto tagarelar sobre o estimado campeonato, Jisoo e Jennie, cedendo à insistência incansável, se ofereceram para prestar auxílio na árdua busca por sua parceria no torneio. Comunicaram a ela possíveis conhecidos e 'meio-amigos' que poderiam, potencialmente, estar interessados em participar do torneio. Era um gesto amável que visava ajudar a ruiva a encontrar sua metade ideal para a competição. Porém, a perspectiva de interações sociais era uma fonte de ansiedade palpável para Lisa, era quase um milagre que tivesse conseguido arranjar três amizades sólidas ao longo do tempo.

          A partir desse ponto, a responsabilidade recaía inteiramente sobre seus ombros, afinal era ela quem precisava da dupla, não compensaria envolver Jisoo e Jennie em uma causa que não cabia a elas ir atrás. Lisa só tinha a função de achar alguém legal, disponível e bom dentre os recomendados pelas amigas.

[...]

          Interação social, muita interação social. Porra. Em dois dias, Lisa já havia interagido com seis pessoas sugeridas, as recomendações não estavam tão longe de esgotar. Ela, agora, estava mais frustrada do que antes, simplesmente por dois fatores: Um era o fato de que ela odiava interação, odiava proferir quaisquer categorias de palavras a desconhecidos, mas acima de tudo, odiava o fato de ter que depender de alguém para algo, era horrível. Não que ela fosse orgulhosa, egoísta ou esnobe, nem perto, só tinha muitos problemas e dilemas internos quanto a como agir nessas situações. Jisoo e Jennie já estavam acostumadas com esse lado, e a ruiva também não via problema em depender das amigas, mas nessa situação, era realmente ela por ela.

          Para piorar, o segundo fator era ainda mais influente na sua jornada, pois, aparentemente nenhum dos conhecidos das amigas estava ligando para a data, isso era o pior, pois ela já estava se rendendo ao fato de interagir com estranhos, então, a recusa alheia era como uma faca apunhalando-a e girando em seu interior. Como o tão querido por ela era simplesmente descartado por uma altíssima porcentagem dos alunos? O que havia de tão ruim no jogo? Por que só ela parecia ligar? Meu Deus. Jennie e Jisoo tinham dedo podre para amizade, praticamente ninguém gostava de truco.

          Cabia a ela pelo menos reconhecer o auxílio das amigas e seguir na procura.

[...]

          Foi na sexta-feira, ao completar as interações, que ela quis desistir. Lisa havia conseguido falar com as quinze pessoas que as amigas afirmaram terem tido o mínimo de interação para aquilo não ser estranho, já era uma conquista pessoal. Mas, destes, a maioria não estava nem aí para o jogo, quem realmente se importava já estava inscrito e em perfeita sincronia com sua dupla. Lisa tinha inveja, pois, desconsiderando os que não ligavam para aquilo e os que já estavam inscritos, os poucos interessados apenas não tinham disponibilidade de participação, um daria início ao intercâmbio, dois escolheram participar de outros torneios simultâneos, outro estaria viajando durante.

          Era esse o fim do seu sonho. Foi tão rápido, pensou.

          Ela amava o truco e a cultura, mas aparentemente, ninguém estava disponível, não havia o que poderia fazer. Então, mesmo tendo até segunda, decidiu desistir daquilo.


          No sábado, Lisa buscou aliviar sua melancolia ao fazer uma visita ao seu comfort place, acompanhada pelas amigas. O local era a sorveteria de origem latina mais antiga e querida de toda a cidade que, desde a infância, Lisa nutria um vínculo afetivo profundo, que apenas se fortalecia ao longo dos anos, mesmo apesar dela não comparecer na mesma intensidade devido à rotina escolar. A sorveteria, com seu ar nostálgico e atmosfera acolhedora, ainda era um oásis de prazer e felicidade, era um lugar onde o tempo parecia ter desacelerado, proporcionando uma sensação de paz e bem-estar que Lisa tanto necessitava naquele sábado, em virtude da decepção semanal. Os proprietários, um adorável casal de idosos argentinos, eram figuras icônicas da comunidade, sempre rodeados por diversos outros senhores e senhoras, bem como por crianças que se aglomeravam para desfrutar suas delícias geladas, histórias e jogos, aquilo era como um constante domingo em família para Lisa, havia truco, sobremesa e simplicidade.

          Ao adentrar o local, Lisa sentiu instantaneamente a atmosfera calma que preenchia o local, o suave aroma de sorvete de chocolate pairava no ar, ela sorriu. Seu rosto cansado se iluminou de maneira sincera enquanto se sentava em uma das antigas cadeiras de madeira. Na companhia de suas amigas, envolvida pela conversa animada e pela saudade do sabor inigualável do sorvete artesanal, Lisa sentiu as preocupações e tristezas do mundo exterior se desvanecerem lentamente. Aquele lugar, com sua aura atemporal e as memórias afetuosas que abrigava, era, sem dúvida, o seu santuário de consolo.

          No entanto, havia algo de extraordinariamente inesperado naquele dia. Os amáveis idosos não estavam presentes no balcão como de costume, para surpresa de Lisa e suas amigas. Em vez disso, uma figura inusitada respirava no lugar que eles costumavam ocupar: Park Chaeyoung.

          Também estudante do Instituto Internacional Gangnam, a loira, com sua presença, claramente destoava do ambiente nostálgico e acolhedor da sorveteria, adicionando um elemento de mistério e curiosidade à cena. Elegantemente vestida de preto da cabeça aos pés, era conhecida por sua aura um tanto enigmática, bem mais associada a lugares duvidosos e perigosos do que a um estabelecimento modesto como aquele, pelo menos era o que os estudantes comentavam. Por isso, poderia muito bem ser uma prostituta ou traficante, baseado no pouco que se sabia sobre e na impressão que deixava, era despojada, sincera, destemida, nada envergonhada e não andava com ninguém.

          Por mais assustadora e séria que fosse, Chaeyoung tinha traços delicados e olhos profundos, transmitia um carisma curioso que parecia não se encaixar, talvez era a sua persona para o local. Lisa, sempre tão apegada às memórias e ao ambiente acolhedor do local, sentiu-se imediatamente intrigada pela presença enigmática daquela figura notável. Sentada, mantinha um olhar discreto sobre a loira. Já a última, por sua vez, parecia estar absorta em seus próprios pensamentos, olhando distraidamente para o balcão da sorveteria, seus olhos perdiam o foco, como se estivessem contemplando dilemas profundos.

          Pela primeira vez na vida, Lisa quis questionar alguém.

chama os pontos, ruivinha | chaelisaOnde histórias criam vida. Descubra agora