3 - a conversa.

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          Após se acostumar com a estranheza do ambiente, Lisa deu o foco às fofocas e interações com Jisoo e Jennie. Conversavam sobre os trabalhos para fazer, as próximas provas, se Jisoo e Jennie participariam de algum torneio, como estava o relacionamento das amigas e até mesmo o que seguiriam após o término da escola. Jennie, que era de família de advogados, pensava em seguir o realizado por seus pais,

          Enquanto Jisoo tinha uma alma mais suave e didática, tinha altíssimas pretensões de seguir a carreira de professora. Já para Lisa, seu futuro era verdadeiramente incerto, não tinha dinheiro para qualquer faculdade, mal sabia como havia chegado no ensino médio em uma escola tão cara e também, não poderia afirmar que ganharia a vida no truco, apesar de ser seu verdadeiro desejo. Todo o papo sério, sorvete e interação estavam tranquilizando e amenizando, mesmo que minimamente, as decepções de Lisa.

          Ao debater sobre diversos assuntos escolares e possíveis passatempos, as garotas foram tiradas de seus devaneios ao ouvir uma voz grossa e de idade solicitando a presença da nova balconista. A ordem vinha de uma mesa no fundo da sorveteria, onde se encontravam três senhores aparentemente tranquilos, já na terceira idade. Chaeyoung, quase como uma funcionária simpática sempre disposta a agradar os clientes, se dirigiu até lá, levando sua bandeja. Aquilo estava meio esquisito, mas ninguém questionou.

          Ao ouvir a palavra 'Truco', Lisa se dera conta do que ocorria naquele canto do estabelecimento que até então não ligava: a moça simplesmente fora chamada para participar de um jogo, completando os times, a ruiva ficou boquiaberta.

          Completamente envolvida na partida com os homens, Chaeyoung havia se juntado com o senhor que lhe chamou, exemplificando algo que parecia ser rotineiro. Empolgada com o jogo, tentava esconder a euforia, mas a tentativa era efetivamente suprimida conforme lançava olhares astutos enquanto blefava. Era rápida e de raciocínio ousadíssimo, seu entusiasmo era contagioso e atraía atenção de alguns à sua volta, incluindo Lisa, que, desde o momento que percebera o que ocorria até o quase final da partida, permaneceu surpresa.

          Porra, quando Chaeyoung tinha ficado tão gostosa?! Jisoo e Jennie, além de acharem lamentável o critério ser a habilidade no truco, não ousaram tirar a ruiva da sua mais nova admiração. Ela, sem conseguir tirar os olhos de Chaeyoung, ficou impressionada com a habilidade da garota e sua energia contagiante para a arte que era aquilo. Assistir aquilo que era completamente inesperado era cativante, quase como se Jesus voltasse.

          Com a partida terminada, pela felicidade do senhor, era óbvio que os dois haviam ganhado, e de maneira significativa. Após a loira, desta vez mais serena, retornar ao balcão, Lisa quis falar com ela. Era tímida quando se tratava de abordar desconhecidos, ainda mais quando a situação poderia ser potencialmente constrangedora, no entanto, naquele momento, mais que nunca, a curiosidade estava matando-a, e ela decidiu que era hora de alcançar mais uma vitória pessoal. Teve a certeza, mais certa de sua vida, de que aquele era o momento ideal para dar início a uma conversa com Chaeyoung.

          Tá, me fodi. Pensou.

          Não havia o que falar sem acabar sendo algo extremamente constrangedor. Nem o que Jisoo e Jennie dissessem para ajudá-la a livraria de parecer uma infeliz stalker. O que ela diria? "Bah meu, tava olhando até agora e vi que tu joga tri bem! Bora disputar um torneio de truco comigo?". Nah, não era o usual dela, que curiosamente nem gaúcha era. O mais possível cenário seria uma abordagem completamente horrenda, seguida de uma sequência tenebrosa de gaguejos e por fim, o início de uma caminhada, ou corrida, envergonhada e – se isso pudesse garantir a ela a mais perfeita dupla para o torneio, – definitivamente cometeria esse atentado à sua antissocialidade e daria início a uma conversa com Chaeyoung.

          Levantou, se arrependeu mas baixou a cabeça e continuou. Ao chegar na frente do balcão, onde a loira estava, Lisa pigarreou, chamando a atenção da sua mais nova musa truqueira.

          — Oi. Chaeyoung, certo?

          — Sim. Lisa, né? Do que se trata? — Chaeyoung olhou, achando a interação estranha.

          Lisa realmente queria sumir, porém continuou da maneira mais educada que saísse.

          — Sim, sou eu. Peço perdão pelo incômodo, acabei assistindo ao jogo agora e... — Embora quisesse  dizer "Te achei boazuda pra um santo caralho, quer casar comigo e jogar truco todo dia durante o resto das nossas vidas?", continuou — não pude deixar de notar que você joga muito bem.

          — Obrigada, eu sei, eu que fundei o truco! — Falou rindo, tentando contornar a situação esquisita.

          Devia ouvir aquilo aos montes, mas provavelmente não esperava ter sido observada na rotina, ou, simplesmente era naturalmente convencida assim, Lisa pensou. Era, de fato, um dilema para ela, que não conhecia a Park.

          Independentemente dos pensamentos da ruiva, ela continuou.

          — Veio pra me elogiar ou quer fazer algum pedido?

          Tá, ela realmente era sem vergonha igual diziam, seu olhar perspicaz e sorriso confiante revelavam a sua autoconfiança. Ela era foda e definitivamente tinha consciência disso, inconsequentemente subestimando Lisa, que, naquela atmosfera, se encontrava em um estado de vulnerabilidade semelhante à de um minúsculo filhotinho de jaguatirica diante de um majestoso leão. A disparidade entre essas duas era como suco de caixinha e vinho.

          Ela riu, sem graça. Mentira não era, realmente teria ido para elogiar a loira e também para solicitar sua presença, é claro.

          — Vim fazer um pedido sim, outro sorvete, de chocolate e... — Chaeyoung aguardava, não ousou interromper o pedido da ruiva, seu olhar motivou Lisa a continuar o seu tópico e desejo inicial. — A sua companhia.

          Quando se deu conta do que disse em voz alta, um pimentão era facilmente mais vermelho que ela. Quis chorar. Aquilo certamente pareceu um flerte e ela não sabia flertar. O desespero começou a tomar conta: e se Chaeyoung risse? E se humilhasse ela de quaisquer maneiras possíveis?

          Então ela fez o mais ridículo e 'humilhável' possível: correu para Jennie e Jisoo, igual uma criança perdida fica quando acha os pais, só não chorou pois poderia estar sendo observada. As duas não questionaram, já que haviam presenciado o ocorrido, apenas resolveram distrair a amiga.

          Minutos após Chaeyoung ter servido o sorvete – um momento no qual a ruiva permaneceu imóvel, tensionada e reclinada sobre a mesa, – todas estavam prestes a irem embora já que estava tudo pago, incluindo os pedidos de Lisa, acertados por Jennie. Foi então que a ruiva, movida por um lapso de racionalidade e desespero, tentou desesperadamente remediar sua situação, ou pelo menos fazer uma tentativa.

          Com a intenção de minimizar sua situação sem precisar se envolver em outra interação social direta, ela escreveu seu número de telefone em um guardanapo, torcendo para que Chaeyoung visse, deixando à loira a escolha de entrar em contato. Considerando a visualização do guardanapo, se Park decidisse contatar Lisa, seria um sinal de curiosidade; caso contrário, a ruiva depositaria suas esperanças na possibilidade dela ter ignorado ou, talvez, esquecido aquele momento singular.

          Sábado e domingo haviam passado, deixando Lisa com apenas a segunda-feira como última oportunidade para completar sua inscrição. No entanto, até aquele momento, ela ainda não havia encontrado uma parceria adequada, parecia que sua participação no torneio estava oficialmente fora de seu alcance. Pelo menos, isso foi o que ela pensou, enquanto a noite de domingo se desvanecia em uma mistura de decepção e ansiedade que a mantinha acordada.

          Entretanto, quando a madrugada de segunda-feira chegou, Lisa, ainda acordada, foi surpreendida por uma mensagem de um número desconhecido. 


Número desconhecido

oi, Lisa. Chae aqui.

(1:49AM)


          Era nesse momento inesperado que as portas da esperança se entreabriam e sua jornada no torneio ganhava uma nova perspectiva.


chama os pontos, ruivinha | chaelisaOnde histórias criam vida. Descubra agora