Na vida que levo há seis anos, não há espaço para falhas.Nessa terra rude, uma mera distração não é uma probabilidade de desastre; ela vai te matar.
É por isso que quando saio na clareira da floresta densa e vejo o enorme urso negro, apavorar-me sequer passa pelo meu pensamento. O urso deixa de farejar a grama permeada de tremoceiros secos que esvoaçam e me olha. À primeira vista, não parece muito interessado. Mas eu sei que isso vai depender bastante das minhas atitudes nos próximos segundos.
Não me mexo e apenas o encaro de volta. Tenho spray próprio para ursos e uma arma no cinto, mas há algum tempo aprendi a lidar com a natureza selvagem desse lugar. Afinal, esse também é o cerne que há dentro de mim agora. O urso compreende a disputa. Ele brame e respira, pouco contente.
— Não quero briga, Átila — aviso baixo quando a pata esquerda que arranha o chão revela uma cicatriz linear e conhecida.
Isso não o acalma. Pelo contrário, ele fica de pé sobre as patas traseiras e ruge. Então desce e corre na minha direção.
Eu devia sentir medo. É o que o instinto humano costuma obrigar. Mas
— Nós dois já fomos dilacerados o suficiente — falo sem me mover quando Átila está já próximo demais.
Ele para. Suas orelhas pontiagudas se mexem em direções que parecem aleatórias, mas não são. Ele está me reconhecendo.
Nós nos encontramos antes. Há um ano, precisamente. Quando as noites começaram a se esticar com seus dedos longos sobre as montanhas geladas. Ele tinha sido alvo de caçadores e estava ferido, com uma das patas mutiladas, mas não desistiu de lutar comigo. O episódio me deixou com uma cicatriz perto da sobrancelha e com um joelho que nunca mais parou de doer completamente. Mas mesmo com uma articulação destruída e um olho injetado de sangue, levei-o até o posto de ajuda aos animais. Sabia que nenhum dos danos vinha da crueldade pura.
Ursos não eram como nós.
— Vamos. Volte para casa — falo, firme.
Não recebo qualquer sinal de percepção dessa vez. A calmaria no olhar dele pode muito bem ser uma indicação do pior. Essa perspectiva não me agrada. Não porque temo pela minha vida, mas porque é insuportável para mim a ideia de matar um sobrevivente.
Ele brame de novo, por fim. Dessa vez há apenas resignação no som.
Átila me dá as costas e faz o retorno como se eu nunca tivesse existido. Ele entra na floresta de bétulas e desaparece.
Suspiro.
Esse era um urso amigo.
Foi um bom começo para o dia.
***
Não sou o único ex-combatente do exército americano que procurou exílio em Bear Valley, uma comunidade escondida no norte da península de Kenai. Quando a segunda guerra mundial terminou, muitos ex-soldados juntaram os cacos que restaram de si e vieram para essas terras inóspitas recomeçar. Essa foi a geração que levantou a cidade. A segunda geração começou a chegar nos anos setenta, quando todo o país vivia uma revolução interna por causa da Guerra do Vietnã. Alguns ex-prisioneiros de guerra, já traumatizados o suficiente para continuarem em meio aos conflitos após retornarem ao país, acreditaram ser o melhor caminho se exilar e trouxeram suas famílias para a Última Fronteira.
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Corações Selvagens: Protegidas pelo Fuzileiro ( Apenas Degustação)
RomanceHunter Eu sei o que todos pensam sobre mim em Bear Valley. Sei que as mães atravessam as ruas com os filhos e os homens se calam quando entro na taberna. Minha fama de rude e insensível é boa para mim porque através dela consegui o que os anos no...