Prólogo: Maldita seja mamãe

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[ Tempos atuais ]

Você tem merda de harpia na cabeça? — Lalisa sibila, indelicada como sempre é. De onde estou, tudo o que vejo são suas costas, os cabelos curtos desgrenhados e um dos cotovelos sustentando o peso do corpo. É o suficiente para saber que está fortemente inclinada a me matar. — O que diabos veio fazer aqui?

Preciso de uns instantes para recobrar a consciência: minha cabeça ainda dói pela pancada direta com outras duas. O corredor é escuro e o chão, gelado; o cheiro de mofo me incomoda o nariz.

Ergo o tronco, lentamente me colocando sentada:

— Sou eu quem deve perguntar para vocês.

Seulgi é a próxima a resmungar um palavrão, esfregando a testa, magoada, ao se levantar. Quando se senta, sacudindo a poeira do blazer, consigo ver a sujeira impregnando seu terninho novo. Rezo para que meu vestido caro não esteja igual.

— A gente veio te impedir de fazer besteira — ela retruca, meio aturdida. Procura algo ao longo das paredes, mas não encontra nada. Nem a porta que, há pouco, estava ali. — E agora pelo visto estamos presas...

— Um minuto — Manobal interrompe, antes que eu possa constatar a veracidade do que a outra afirmou. Vejo sua silhueta mover-se velozmente enquanto tateia o chão, aflita. Ao se virar para mim, um dos braços cobertos pela jaqueta de couro se coloca à frente de seus olhos, escondendo-os. — Meus óculos, merda. Onde estão meus óculos?

Não consigo conter um xingamento, e Seulgi e eu começamos, ao mesmo tempo, a vasculhar o chão também. Lisa provavelmente os perdeu na pancada, constato, e a mera ideia do desastre que isso poderia acarretar me arrepia por inteiro.

Ainda que às cegas, minhas mãos alcançam alguma coisa; me proponho a gritar algo como "achei!", mas deixo a voz morrer no instante exato em que a coisa se move — atitude que óculos definitivamente não teriam — e um grito de terror é tudo o que deixa minha garganta. Por reflexo, lanço o objeto no ar. A sombra do terrível achado se projeta no escuro e, só quando sua trajetória termina sobre o colo da Kang, consigo ver do que se trata. Ela, ao contrário de mim, não esboça qualquer reação de medo: apenas recolhe sua mão esquerda e a encaixa de volta no pulso.

Pressiono os olhos: ainda é difícil aceitar que seus membros possuem vida própria. 

— Acho que ela descosturou na queda, desculpa — murmura, meio sem graça, e gira o pulso para aferir seu encaixe. Suspiro. Pelo menos, a mão havia encontrado os óculos perdidos sozinha: sinto vontade de pedir desculpas vendo-a segurá-lo triunfantemente. — Aqui, Lisa. — Estende o objeto cuidadosamente em direção à mais nova, mas ela o agarra como se sua vida dependesse daquilo. — Certo... de nada. Todos os membros e objetos no lugar, agora?

— É. Por sorte. — Lalisa murmura, ajeitando as lentes escuras e redondas em sua face. Ela afrouxa o nó da gravata, suspira e puxa um celular trincado da jaqueta. A luz da lanterna, agora acesa, quase me cega. — Eu poderia ter petrificado alguém, e a culpa seria sua.

Não preciso encará-la diretamente para saber que suas palavras são para mim: o rancor em sua voz é quase palpável, e os coturnos pisam firmes no chão quando fica de pé.

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