Dois : Malditas sejam rainhas eleitas - isso nem faz sentido!

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Esse seu lance de petrificar os outros — comecei, observando Lalisa limpar as lentes de outro par de óculos de sol, — é por isso que outras pessoas não quiseram dormir com você?

Ela parou, baixou as mãos e virou-se, bruscamente, para me encarar. As sobrancelhas estavam retorcidas num ar de indignação, as bochechas assumindo um tom ligeiramente mais rosado que o habitual.

— Aí, quem foi que te falou isso? — Retirou os óculos por uma fração mínima de segundo, que foi suficiente para me fazer dar um salto. Só que ela teve o cuidado de manter os olhos fechados, rapidamente posicionando a outra armação em sua face. Me perguntei qual seria a cor de suas íris. — Eu durmo com muita gente, 'tá legal?

— Quê? Não! Não foi isso que eu– — tentei argumentar, mas resolvi priorizar uma ideia mais urgente que me veio à cabeça: — por favor, não faça isso no meu quarto. Voltando: eu 'tô falando sobre as suas "tentativas de se adaptar com um colega de dormitório". A diretora quem disse.

— Ah, esse tipo de dormir — murmurou, meio sem graça, mas terminou dando de ombros logo após. — Nesse caso... é, mais ou menos. Acontece que teve esse incidente ano retrasado e desde então a maioria dos monstros não gosta da ideia de–

— Incidente? — Interrompi. — Por favor, me diz que você não transformou uma colega de quarto em rocha.

— É... bom. É que guerras de travesseiro não são boa ideia, sabe? Podem derrubar os óculos — confessou, erguendo o indicador no instante exato em que notou meu olhar apavorado. — E não faz essa cara, não. Você anda com praga pendurada no pescoço.

— O que aconteceu com ela?

— A praga?

— Sua colega, Lisa.

— Ué, virou pedra.

— Ai, pelo amor de Rá — sussurrei, desistindo de tentar discutir com aquela maluca. Algo me dizia que, se eu não saísse de lá petrificada, provavelmente seria sem meu réu primário. — Talvez dividir o quarto com uma criatura peluda não fosse uma ideia tão ruim assim...

— Isso aí depende — respondeu, ainda que meu comentário anterior não tivesse sido direcionado a ela. — Você não ia querer conhecer a maior parte dos lobisomens, pode ter certeza.

— Quer parar de me deixar com ainda mais medo desse lugar?

— Não é tão ruim quanto parece — garantiu, embora não fosse nem um pouco convincente para mim. Revirou um pouco mais os seus pertences, puxando dali um caderninho surrado e suas chaves: — só não é nada parecido com a sua vidinha anterior no palacete... mas eu te passo o manual de sobrevivência — e dirigiu-se à saída do quarto, freando pouco antes de passar pela porta. — Devem servir o almoço em uns dez minutos, você vem?

— O que te faz pensar que eu preciso da sua ajuda? — Questionei, erguendo as sobrancelhas.

— Posso deixar você procurar o refeitório sozinha, majestade, como quiser —  caçoou, virando as costas. — Só... cuidado para não parar no corredor errado, sim? Você pode acabar sendo arrastada por um tentáculo.

E pôs-se a andar, despreocupadamente.

É claro que eu a segui.

Foi difícil explicar que eu não estava com medo e que havia aceitado a ajuda somente por aceitar, mas claro que ela não deixou de gargalhar durante, pelo menos, três minutos a fio. Lalisa tinha essa mania de tirar sarro de absolutamente tudo, mas era até prestativa quando queria: explicou que plebeus — como ela mesma chamava — precisavam frequentar as aulas no colégio e informou que, seguidamente ao almoço, uma sessão tortuosa de Estudo das Línguas Mortas nos aguardaria. Fosse lá o que isso significasse.

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⏰ Última atualização: Oct 10, 2023 ⏰

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