Capítulo 4

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É difícil ir para o escritório na segunda-feira.

Estou péssimo, confuso e pagaria para poder voltar ao ponto em que ainda conseguia ver Iori apenas como uma colega de trabalho.

Passei por várias fases no fim de semana: dormi para não pensar no que tinha acontecido, transei com outra pessoa só para me afirmar, enchi a cara. Nada disso funcionou, só foi ainda mais frustrante e me deixou mais perdido do que eu já estava.

Ensaiei diversas vezes várias possibilidades de diálogo entre Iori e eu, mas a verdade é que agora que estou aqui só quero me enfiar em um buraco e esperar que esse dia de merda termine.

Só que ele não termina e ela chega.

— Bom dia!

— Bom dia.

Tento ser o mais neutro possível, pela primeira vez sem saber como agir: devo fingir que nada aconteceu? Preciso dizer alguma coisa? Nenhuma opção parece boa.

Também pela primeira vez fico horas calado por livre e espontânea vontade sem ter absolutamente nada para falar e ela parece partilhar essa apatia.

Boa Gojo, fudeu seu ambiente de trabalho e uma das únicas amizades que realmente te importavam. Conseguiu foder tudo, menos quem queria.

É um pensamento tão absurdo que gargalho ao ver o desgoverno em que venho conduzindo minha vida.

— O que foi?

A expressão de Iori está aliviada e penso que talvez minha atitude anterior estivesse deixando o clima pesado desnecessariamente... talvez seja só fingir que nada aconteceu.

Resolvo apostar nessa estratégia: voltar a ser o mesmo idiota de sempre.

— Aposto que você não quer saber.

Iori retorce a expressão com cara de desgosto.

— Se até você diz.

O clima melhora um pouco, o suficiente para trocarmos umas palavras durante o expediente e irmos embora quase sem constrangimento algum. Depois de uma boa noite de sono e de repetir o estratagema o resto da semana, aposto que voltaremos ao ponto em que nos dávamos bem.

O problema é que embora eu queira, está difícil esquecer de como foi bom sair com Iori. Gostei mesmo de sua companhia, de seu beijo, de sua pegada. Quero repetir, aliás, quero fazer direito dessa vez.

Tento racionalizar que é apenas questão do desejo frustrado por não ter dado certo; só que as sensações de como foi ótimo curtir aquele show com ela, como nossa conversa desenvolve fácil, de como me senti péssimo quando ela foi embora mostram que tem mais do que isso.

Sozinho sou incapaz de colocar as ideias em perspectiva e a questão é que não tenho um amigo que seja próximo o suficiente e com quem possa conversar: manter relacionamentos sérios não é meu forte, o que inclui amizades.

Vou para o dojo dar aula e tentar desanuviar a cabeça, mas passo o tempo inteiro tão aéreo que Itadori percebe e ao final do treino vem me questionar.

— Aconteceu alguma coisa sensei?

— Nada de sério.

— Não parece.

Penso em quão inapropriado é abrir esse jogo com ele e decido por eliminação que vale o risco: se não for Itadori não será mais ninguém mesmo.

— Acho que estou gostando de alguém. É confuso.

A forma como os olhos dele se arregalam chega a ser ofensiva.

— Jura, de verdade mesmo?

— Calma aí... disse que acho, e o verbo é gostar. Nada tão sério.

Sentamos no tatame e conto brevemente a história, omitindo os detalhes mais embaraçosos e ao final seu diagnóstico é exagerado.

— Acho que você está de quatro.

— Isso é coisa de adolescente!

Ele coça a cabeça e responde meio debochado.

— Olha... Eu não perco meu sono por causa de mulher não, você que está perdendo...

E justamente por ser um adolescente que não tem nada a perder sua visão é bem mais objetiva e prática que a minha. Talvez possa me ajudar a ver a coisa sem todas as camadas de complicação que estou adicionando.

Realmente gosto de Iori, embora ainda não dessa forma tão romântica. Sendo honesto só queria tentar e ver até onde essa história pode dar.

Pergunto em tom de brincadeira, sem querer dar bandeira que estou querendo um conselho real.

— Ah é? Então quando pisa na bola com a Nobara não fica preocupado?

É engraçado vê-lo ficar embaraçado e tímido ao tocar no nome dela e só posso torcer pra nunca ficar assim ao falarem de alguém, é ridículo.

— Fico... Mas sei que acerto mais do que erro, então aprendo e sigo em frente.

— Um jeito bom de ver as coisas...

— Você que me ensinou que o importante é nunca levar o mesmo golpe duas vezes...

A questão é que ele tem certeza de que os prós superam os contras, e no meu caso a situação é bem diferente. Contudo, é um assunto que não estou preparado para lidar e desvio a conversa com uma brincadeira.

— Sou um ótimo sensei hein?

Só que Itadori não ri; ao contrário, me olha sério antes de pegar suas luvas e levantar do tatame.

— Você é um cara legal, para de se esconder atrás desse personagem e fugir. Se tentar e se machucar um dia para de doer.

Fico tão perplexo com sua avaliação que nem respondo, só fico observando-o se afastar em direção ao vestiário.

Esse projeto de gente está certo e vai se tornar uma pessoa bem melhor que eu, e de certa forma fico feliz de participar dessa evolução ainda que de um jeito indireto, que leva para a vida as lições que aprende comigo aqui.

Está na hora de eu começar a fazer isso também.

Quando volto para casa reflito muito sobre o que ele disse.

Sempre admiti que sou avesso a relacionamentos, que prefiro a liberdade de não me prender a ninguém. E isso é verdade, só que tem mais além disso: relacionamentos machucam quando não dão certo.

E geralmente não dão.

Acabo pisando na bola e afastando as pessoas de minha vida, mas quando me comporto dessa forma superficial elas sempre estão por perto, mesmo que orbitando longe, de forma impessoal.

É melhor do que me envolver e terminar sozinho.

O que aconteceu com Iori foi um aviso do universo: não sirvo para nada sério. Basta sair com alguém que me interesse de verdade para algo dar errado, os problemas começarem a aparecer, eu não saber como reagir.

E nesse ponto da encruzilhada só tenho dois caminhos: continuar no personagem que não se importa e ir em frente, ou seguir outro caminho mais difícil: tentar.

Sempre foi uma escolha simples só que Iori vale a pena o suficiente para eu decidir fazer diferente dessa vez, mesmo diante da certeza de que ela vai negar depois de tudo o que aconteceu.

Tanto, que mudo totalmente de tática: a chamo para um cinema no meio da semana, algo tranquilo, leve, que nos permita conversar, nos conhecer um pouco mais além do contexto do escritório e principalmente, sem segundas intenções - pelo menos por enquanto.

Quero baixar a guarda e só deixar rolar dessa vez, sem planos, sem racionalizar, sem me preocupar em me manter emocionalmente afastado.

É só a mensagem ser enviada que fico uma pilha de ansiedade; uma parte de mim torce para receber um não e permanecer na zona de segurança, mas a outra quer tanto um sim que nem sei como lidar com a decepção caso ela realmente negue.

Demora horas para que ela responda a mensagem e coloque um fim em minha ansiedade.

Carpe DiemOnde histórias criam vida. Descubra agora