Dois Boatos em uma Espelunca

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Quatro pontos brilhantes, de tom escarlate, encararam de volta quando ele se olhou na superfície da água.

Levou a mão a frente, a prata lisa refletindo as velas que iluminavam o cômodo enquanto mergulhava as pontas dos dedos na banheira, fazendo com que a imagem desaparecesse. A distorção pela agitação da água combinava mais com Virgo do que o rosto cheio de ângulos retos jamais combinaria.

Apoiou-se na porta da caldeira, e se ergueu do chão, onde estava sentado enquanto atiçava o fogo para aumentar o calor da água. Os trapos sujos caíram no chão, deixando o corpo musculoso desnudo.

Observou as roupas que pegou emprestadas, cuidadosamente dobradas em uma prateleira... Melhores do que as que usava há muito tempo.

A pele castanha se arrepiou ao ser atingida por uma leve lufada de vento frio, quando ele alcançou os degraus da banheira. O garoto se deixou afundar na água morna, e fechou os olhos, jogando a cabeça para trás, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto.

Alívio. Tristeza. Os dois se confundiam em algum ponto.

O coração de Virgo pesava, o jogando mais para o fundo do mármore da banheira, molhando os cabelos pretos no mergulho, enquanto ele torcia para que pudesse fingir para si mesmo que não chorava, se as lágrimas, e a água do banho se confundissem uma com a outra.

Ficou ali, então, tentando lavar mais a alma do que a pele, se perguntando se os arrependimentos, se o luto, poderiam ser diluídos na água quente, junto com o suor e o sangue de seus inimigos.

Ficou ali, porque no momento, não tinha ideia de onde ir. Ficou ali, porque a dor nos seus músculos, o cansaço físico e mental finalmente o havia nocauteado por completo. Um nocaute psicológico, em que ele permanecia consciente, mas inerte, amortecido, vazio.

Respirou muito fundo, quando finalmente emergiu, e aspirou o aroma do quarto de banho da estalagem, uma mistura de fuligem com incenso de capim-limão.

Com a cabeça escorada na borda da banheira, o espadachim mirou o teto.

(...)

Os passos não tinham mais o característico som metálico, quando o garoto saiu do corredor que levava até a casa de banho, porque calçava um par macio de botas de couro. Jogou a toalha nos ombros, e suas narinas foram invadidas por um arrebatador cheiro de especiarias e carne cozida.

O lenço negro, que normalmente estaria apoiado sob o nariz, para esconder os olhos mais baixos, repousava sobre o pescoço.

Irrompeu pela porta que dava para a sala de jantar da estalagem, e o homem alto e largo que mexia na panela virou a cabeça na sua direção, com um sorriso.

"Noite difícil, hein, garoto? Puxa uma cadeira e se senta, porque já tá ficando pronto." O estalajadeiro provou o caldo da sopa, e o estômago de Virgo roncou alto, arrancando uma risada do recém-conhecido. "Com fome, né?"

"Sim, muita. Obrigado por..."

"Não precisa. Cavaleiros se ajudam."

"Mas você pode acabar em perigo. Vão me procurar." O jovem olhou nervosamente para uma janela, enquanto colocava as luvas.

"Tu tem a porra da idade do meu filho" Ele pegou uma tigela e serviu o ensopado de javali para o garoto. "... Não é todo dia que alguém reconhece o símbolo na porta. E até agora, eu nunca tinha recebido uma Adaga do Código. Como eu poderia recusar?"

"Como outros recusaram antes de você." Virgo provou o prato, em silêncio enquanto aproveitava sua primeira refeição em dias. "Então me deixa agradecer. Pela comida. Pelas roupas. Pela hospedagem."

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⏰ Última atualização: Oct 15, 2023 ⏰

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