-Porra, por que você não volta pra ele então?
Eu não sabia mais o que falar, as palavras pularam pra fora da minha boca e eu já não as alcançava, apesar disso meu olhar dizia exatamente o que ele não iria querer ouvir, e nós dois sabíamos disso. Engoli em seco e permaneci estátua, congelada por dentro e por fora, flashes de consciência ainda me deixavam respirar, com muito esforço desgrudei os lábios e puxei uma grande quantia de ar, pronta para desembuchar
-
Mas nada saiu.
-Vai ficar quieta dessa vez? Você não é tão corajosa quanto parece.
Engoli em seco mais duas vezes, eu podia estar errada mas não levava desaforo, nem nessa situação.
- Não pode fazer isso comigo, não pode me culpar por algo inconsciente! Disse em meio a soluços, as palavras saíram todas gaguejadas e em tom de desespero
- Inconsciente? Você tem coragem de justificar dessa forma, porra, sabe qual o seu problema? Você mente demais, e mente pra si mesma. Ele voltou a me pressionar, eu o entendo, estaria pior no lugar dele.
Eu tinha sido pega na pior das hipóteses possível, e não seria perdoada, mas a pior parte não é ele me odiar pra sempre e sim que eu não suporte carregar o peso de ter feito o que eu mais temia que me acontecesse, ele caminhou alguns passos em minha direção e puxou meu rosto para olhá-lo de forma brusca, mesmo que eu não quisesse o encarar não tive opção, ainda sim seu toque era leve e sútil, como de todas as vezes em que me puxava para um beijo delicado.
- Você vai se culpar muito, vai ser assombrada por esse fantasma todas as noites, vez ou outra vai achar que se livrou mas ele nunca vai embora, toda vez que ele voltar vai ser pra te lembrar que você sempre vai procurar por amor, mas nunca vai aprender a amar, e por isso irá definhar sozinha.
Senti sua respiração quente em meu ouvido, cada palavra ricochetava por dentro do meu cérebro, dava voltas e voltas depois descia em direção aos meus ossos e me tirava o equilíbrio, eu estava tremendo como uma criança com medo do bicho papão. Quando ele me finalmente me soltou, minha visão estava embaçada e não fui capaz de distinguir o que meus olhos enxergavam, eu só ouvi seus passos fortes no chão como se tivesse marchando para fora dali, suas palavras ainda ecoavam por toda a sala e me causavam um calafrio que subia da espinha e doía até as pontas dos dedos das mãos, como se estivesse congelando.
Eu nunca vou conseguir voltar, o caos que tinha se instaurado dentro da minha cabeça era algo permanente, talvez fosse hora de eu deixá-lo ir, talvez eu tenha passado dos limites, afinal eu sou mesmo a culpada por tudo isso? Não juntei forças pelos próximos dias, a miséria me alcançou no mais profundo ser e eu deixei que me levasse, fechei todas as cortinas, tranquei as portas, apaguei as luzes e deitei esperando que a morte me buscasse, ninguém bateu à minha porta durante dias. Me peguei delirando diversas vezes, viajando entre cenários imaginários em que estávamos felizes, casados, tendo filhos e viajando juntos como sempre sonhamos.
Durante intermináveis meses transcorreram as horas que ansiosamente me desgastavam, em uma árdua busca pela superação de um erro mortal que eu mesma cometi. A cada dia, mergulhada em um abismo de desespero, afundava em um oceano de angústia e autodepreciação, como uma alma perdida em um labirinto sombrio sem fim. Noites dolorosas se arrastavam com o peso das minhas lágrimas, que desfilavam incessantemente pela minha face maculada de tristeza.
A falta de apetite se tornou um desafio diário, como uma aliança maligna que se unia à minha dor emocional para corroer também o meu físico. Dias se transformavam em semanas sem que um pedaço de alimento tocasse meus lábios ressecados. Minha constituição corpórea, que já foi bela e atlética, se transformou em um esboço pálido de mim mesma, uma sombra esquálida que flutuava na penumbra da minha batalha pessoal.
Em meio a essa trilha sombria, onde a cada passo parecia mais árduo que o anterior, eu encontrei a centelha de esperança, a fulgurante chama que acendeu minha luta rumo à redenção. Com um sopro de coragem, decidi me erguer, enfrentando cada desafio de cabeça erguida. Percebi que o passado não pode ser apagado, mas o futuro pode ser moldado com as lições aprendidas.
A superação gradualmente se desenrolou como um espetáculo dramático, onde altos e baixos se mesclavam em uma dança de emoções intensas. Os dias de tristeza deram lugar ao florescer da esperança, mesmo quando as pedras do caminho pareciam intransponíveis. Cada passo dado em direção à melhora foi uma vitória conquistada contra a sombra que me assombrava.E assim, em meio a essa jornada de superação, descobri que a dor e a culpa podem nutrir o crescimento pessoal.
As estações mudaram.
Nasce a Primavera.
Decidi que meus erros não me fariam ser ou não.
Durante alguns dias, encontrei-me envolvido em um intenso processo de faxina em minha casa. Com cada cômodo que eu tocava, uma avalanche de memórias e emoções me envolvia. A poeira, antes invisível, agora se levantava com hostilidade, como se desafiasse minha determinação.
Era uma tarefa árdua, que exigia não apenas físico, mas também coragem. Ao remexer em gavetas e abrir caixas, eu confrontava uma parte de mim que desejava permanecer escondida. A vontade de chorar se tornou uma presença constante, como uma trilha sonora melancólica que ecoava por toda a casa.Em meio ao caos físico e emocional, encontrava forças para continuar. As lágrimas que ameaçavam escorrer pelos meus olhos não eram sinais de fraqueza, mas sim uma manifestação de coragem.A faxina não era apenas uma questão de limpar uma casa, mas sim um processo de cura, um ritual de superação. Em cada objeto arrumado e cada canto limpo, eu me reconstruía um pouco mais. No final de cada dia, exausto e coberto de poeira, eu encarava a imensa transformação que havia ocorrido. A casa, agora organizada e livre do peso do passado, refletia o meu próprio renascimento. Não havia mais espaço para o desespero no meu coração, apenas uma sensação de gratidão e libertação.Aos poucos, compreendi que a faxina em casa era um espelho da faxina interna que eu realizava em mim mesmo. A vontade de chorar, embora dramática, era o eco de um grito silencioso de liberdade. E, assim, eu continuei, enfrentando cada desafio, sabendo que, ao final, emergiria ainda mais forte.
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Todas as formas de cortar um abacaxi
RomanceUm retrato sensível sobre um relacionamento que se desenrola entre duas mentes complexas e vulneráveis. O casal central desvenda uma narrativa delicada e realista, onde a descoberta mútua de segredos e traços ocultos torna-se um labirinto fascinante...