O Coelho

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O homem nasce como se fosse uma "folha em branco".

John Locke disse isso, mas eu não preciso concordar totalmente.
Alguns de nós são mais canetas do que folhas, passam mais tempo edificando histórias de terceiros do que de fato a sua.

Eu já fui uma caneta.
Já fui um papel.

Eu me dobrei para que não me vissem por inteiro, me amassei e me joguei em uma pilha de outros papéis igualmente amassados, procurando por um lugar onde eu pudesse servir, acabei rasgando e me remendando várias e várias vezes.

Nada como uma folha nova, não é mesmo?

Deixei que escrevessem o que quisessem em mim, frente e verso.

Mas houve o tempo em que eu fui caneta, deslizando por aí a procura de uma folha do meu tamanho, e só quando terminei de escrever me dei conta de que era lápis, pois me apagaram. Deve ter sido engraçado, mas eu fui a única que não conseguiu rir.

Já me escreveram coisas bonitas, também ja tentaram mas algumas letras são indecifráveis, não soube a quem culpar, talvez eu não tenha lido com calma suficiente ou talvez tenham escrito rápido demais.

Por fim me apaguei. Não sou lápis, nem caneta e nem papel.

De tanto ir e vir, acabei servindo de marca-paginas, me comprimiram entre centenas de folhas, de onde acabei não saindo mais, talvez o livro não tenha sido tão interessante quanto a capa promete, esse é o grande problema de passar tempo demais enfeitando por fora mas esquecendo de revisar por dentro, cá estou eu, novamente. E já nem sei mais.

Pensei e pensei, peguei o celular e cliquei finalmente na notificação, eu devo responder rápido? Talvez eu escreva um "eai" também, ou isso soaria muito masculino? De que jeito devo me portar, não posso demonstrar demais, mas não posso demorar muito, preciso de exatidão mas como ele vai entender?

Eu queria que ele estivesse aqui, então eu saberia o que dizer.

Ele está bem aqui! Está na palma da minha mão, e eu sei o que dizer.

"Oi"
"Olá"
"Eai?"

"Por favor apenas entenda que eu quero te cumprimentar, desejo conversar mas tenho medo de que a conversa se estenda e eu seja inconveniente, não quero te deixar desconfortável então prefiro que você pergunte, eu adoraria perguntar mas também temo que eu seja entediante, não quero responder na hora por que talvez você acha que eu estou caída por você. Eu não quero conversar tanto por aqui, não sei me expressar por mensagens, quer dizer, você é legal demais ou quieto demais, talvez eu seja legal também mas eu não tenho certeza, oii"

Considerei todas as respostas acima, mas nenhuma delas foi natural, aquele frio na barriga adolescente de quando você não sabe o que responder amadureceu junto comigo, agora meu friozinho na barriga é ansioso e doloroso, mesmo sendo algo tão pequeno.

Já me decidi.

"Oii, tudo bem?"

Sim, é exatamente assim que as garotas falam, eu sou uma garota então isso basta.

Para a minha surpresa ele respondeu na hora, isso significa que eu não poderia mais fechar a conversa até ele dizer que precisa jantar, sair, ir à igreja ou dormir.

"Sua foto de perfil é linda"

Ele me elogiou.

"Obrigado, eu adoro tirar fotos"

E eu respondi.

Posso dizer uma coisa, ele sabe conversar se quiser, percebi desde a primeira frase. Coisas como "qual sua cor favorita" me matariam.

Nós passamos o resto da noite conversando, era um ciclo vicioso, e até mesmo as conversas com perguntas clichês funcionavam, ele me entende.

Mas o que é que eu estou pensando? Ele é um cara jovem e solteiro.

Enquanto conversávamos, pudemos nos conhecer um pouco, superficialmente, mas ainda sim nos conhecemos. Ele me contou sobre seus filmes favoritos, acho curioso como ele parece divertido, quieto, fala muito mas realmente não fala muito bem.

Apesar disso, eu procurei entender a maior parte. Foquei aliviada em finamente ter uma conversa estruturada com ele, talvez ele tenha visto algo de interessante em mim, mas pode ser que só eu esteja querendo muito mais dele.

Quando conversamos pela primeira vez, notei que apesar de transmitir muita calma e clareza, evidentemente ele é inquieto.

Talvez um outro dia possamos nos conhecer de novo.

Todas as formas de cortar um abacaxiOnde histórias criam vida. Descubra agora