Capitulo 1

13 0 0
                                    

RETIRO

Meus pés estão dormentes e minha coluna esta implorando por um tatame, uma rede ou uma boa massagem.

Mongaguá é pacata, praia limpa, pouco comércio, não gosto dos feriados que abarrotam de turistas A cidade ficam suja. Por essa razão antecipei minha vinda.

Cheguei a pouco do interior e aqui já está com muita gente, um trânsito estranho e mais barulhento.

Sou extremamente chata, difícil de ser agradada, mas tento me aproximar o possível do estereótipo do padrão da normalidade e da cordialidade.

A hipocrisia é bem aceita, traz status e consequentemente passamos a ter muito mais amigos.

Você deve pensar agora porque então eu vim.

É simples, quando todos vão se reunir lá, venho para cá

Estou preparando um café forte e uma fatia de pão de ciabata com mel e queijo ementhal.

São 19h45min e a cidade parece espremida, diminuída.

Pego a xícara grande, branca de bordas douradas de fina porcelana. Somos velhas companheiras ela é a sobrevivente de um jogo de meia dúzia. De qualquer modo, sobreviver a um dia já é o suficiente para mortais vulneráveis e frágeis feitos de matéria perecível.

Cambio... Tem alguém aqui ou aí?

O café ficou pronto. O café é uma bebida que ativa meu subconsciente, pois é muito presente em todas as ocasiões e raramente nos damos conta. As histórias de minha vida cheiram café! Apesar da tradição de família dos bons vinhos do porto.

Mas vinho me causa euforia e dura pouco.

Cada vez que provo um bom café me sinto feliz e plena é como se minha aura fosse aconchegada. Sinto cansaço físico e ocular pela viagem.

Dirigir é tenso. Gosto da sensação de estar no comando

A casa precisa ser limpa, o ar fugiu de tédio assim que abri a porta. A mesa de imbuia impregna a sala com perfume saudoso da floresta.

A mobília foi adquirida de uma vez, um homem estava vendendo móveis numa esquina. Trazidos de Santa Catarina. Foram cinco peças no total. Sem contar seis cadeiras.

Mas a maresia deteriora a madeira, funga, embolora. É preciso muito carinho, paciência e óleo de peroba para fazer a manutenção. O peso não estimula mudanças constantes. Dias bons aqueles em que escolhi essa mobília com uma velha amiga que partira há três anos e me ensinou muitas coisas. Inajá Clemente Vidal Tinha o dom de consertar minhas falhas com palavras cândidas expostas de maneira tranquila e duradoras.

A Compra da casa também foi assim e sua opinião foi decisiva para que eu fechasse o negócio.

Nunca pensava nela. Sua presença era intrínseca, suave e constante. Como termos os membros e só sabermos da sua importância após extirparmos.

Todos, temos alguém que nos orienta, amparam sem nada nos pedir, onde quer que estejamos. Não havia muita diferença de idade; porém; às vezes Ela parecia ter séculos a minha frente sem ser ranzinza. Ao contrário era contemporânea e tinha horror a normas, tabus, preconceitos e padrões ortodoxos. Cinco anos mais velha.

Minha mãe a achava subversiva.

Meu pai dizia que era avoada.

Meu irmão ouvia nossas conversas ao pé da porta... Ele A chamava de esquisita.

Minhas colegas tinham inveja dela. Sua espontaneidade e desprezo a futilidade embaraçava as moças sonhadoras e imundiçava seus castelos Brancos

Sua Beleza era natural, corpo com formas femininas, mãos brancas e longas, cabelos castanhos mistos e seus olhos quase negros eram vividos, grandes de notória luz.

Eu a amava profundamente. Minha admiração era incondicional. E sua amizade foi um presente divino.

Alguém lá no céu gosta muito de mim!

Conhecemo-nos num clube de campo, quando meus pais decidiram comemorar o aniversário de casamento Ela, acompanhava os tios que foram espairecer ainda abalados com a morte do filho caçula pelo disparo acidental de uma arma pelo caseiro; antigo amigo da família e padrinho do moço Fabrício, que não resistiu a perfuração no fígado e faleceu aos 16 anos. Ela foi nos pedir ajuda para desatolarmos o Corcel II.

Nessa época eu estava com 17 anos.

Como Inajá... Ninguém. Não para mim.

Todos os dias são deliciosos!

Comprei essa casa com algumas economias e a partilha da parte da herança que recebi com a morte da minha mãe.

Meu pai quis vender a casa para não esbarrar no passado todo o tempo já que os últimos anos de minha mãe foram penosos entre sessões de hemodiálise e constante anemia. Que a debilitou sobremaneira. Ela partiu aos 54 anos. Então após a venda ele foi morar com meu irmão Camilo João Arcanjo Neto que é mais velho que eu seis anos. Agora papai toca um pequeno comércio de autopeças numa sociedade com Camilo e vive há sete anos com Branca uma professora de história aposentada. Portugueses não ficam sem companhia feminina. O Sr José Maria fez a escolha certa. Branca diz que fazem sexo regularmente. Não consigo imaginar!

Eu não quis comprar nada no interior, queria mudar a paisagem. Assim elegi a casa ambar para abrigo e segundo lar agora mais próximo do lar definitivo, pois meu apartamento já está em nome dos meus filhos.

Foi uma busca cansativa, mas após cinco meses consegui encontrar algo aconchegante, tranquilo, sem muita reforma e com muita claridade, uma vista linda para a encosta e próxima ao comércio.

Está caindo uma chuvinha boa, mansinha, fria e inspiradora. O som contínuo do deságüe lento me deixa em paz. E sem dúvida com muito sono. São 20h34min

Vim para cá para escrever as memórias de minha existência ou ao menos registrá-las.

Caetano Veloso em sua canção "Livro" diz:

"Que se você não tem livros para ler você pode simplesmente escrever um"

Em nossos balaios cheios de contos, coisas, gente, suor, gozo, amor, raiva, filhos, amigos, bichos, desejos, frustrações e beijos. Perdem-se o valor verdadeiro.

Deixamos cair migalhas pelo caminho e aparentemente tão sem importância e são extremamente relevantes e sem darmos conta vamos recordar-nos delas num divã de um profissional que as resgatam, rasgando nossa carne com fatos esfarelados desbotados e que às vezes é o fio da meada da nossa colcha de retalhos não terminada.

Ah minha amiga Iná, agora que acabou a história enfadonha do meu relacionamento com Antônio de Pádua. Estou com medo da liberdade que reina absoluta. Você deve onde estejas na certa saber o quanto estou aliviada apesar da luta por outro desfecho. Você poderia estar aqui para me ajudar a escrever. Demorei tanto para enxergar o caminho mais curto. Talvez essa tenha sido a graça grau de dificuldade estava no nível profissional e eu não vi! Escolhi o caminho mais longo! Risos.

Numa caixa de vime envelhecida um poema para você;

"Suas mãos amigas curavam as minhas dores

Teus olhos benevolentes iluminavam meu caminho

Suas palavras ternas, tão valiosas, tão precisas

Fizeram-me crescer, esquecer, superar e mais ainda

Amar-te querida.

Queria que não tivesses partido.

Agora que estou melhorada

Queria te fazer dormir lendo para ti belas histórias

Mesmo em sua partida, segurando suas mãos de raiz

Seu calor me acalmava o espírito aos prantos

Que não queria te deixar ir. Eu Impotente, chorava

Tua vida foi abençoada mesmo com teus desencantos

Em mim para sempre teu riso, teu exemplo, tua calma

"E essa saudade constante a sacudir a minha alma"

Paula Maria Arcanjo

Esse fruto eu já comiOnde histórias criam vida. Descubra agora