Qualquer dia normal em Rivendell

38 3 37
                                    


Capítulo único

Galadriel imaginou que havia se passado muito tempo desde que vira sua filha durante o desjejum, e apenas lembrou-se dela após guardar a carta que recebera de seu marido, que fora lutar na guerra contra Sauron. Suspirou e deixou de lado a carta, guardando-a junto com as muitas outras que recebera. Haviam se passado exatos duzentos e sessenta anos desde que viera se refugiar na “última casa amiga a leste do mar”, assim nomeada por Elrond, o meio elfo, seu amigo desde a infância deste, e agora Senhor de Rivendell. 

A história de como conhecera Elrond era deveras peculiar. Ele e seu irmão eram crianças quando Maglor, o segundo filho de Fëanor os entregou em Lindon, contando a respeito de como ele e o irmão, Maglor, os haviam capturado em Eldamar. Dissera estar arrependido de tal feito e reconhecia em que o juramento fratricida, que fizeram de ir em busca das Silmarils, transformara seus irmãos e a si próprio. Elros e Elrond viveram em Lindon, o reino dos elfos até se tornarem adultos e até mesmo depois disso, mesmo quando Elros decidiu por viver uma vida curta e mortal, mudando-se para Númenor ao fim da Primeira Era do Sol. 

Aquelas lembranças sempre a deixavam saudosista e a faziam lembrar-se também que há muito tempo estava separada de Celeborn, que por tantos milênios lhe fizera companhia. Ela sentia falta do marido e desejava que a guerra se findasse sem muita demora, para que enfim pudessem novamente se encontrar. 

Deixou o quarto, estranhando a quietude do lugar. Lindir estava no pátio com um grupo de elfos e acenou alegremente para ela. Galadriel sorriu e perguntou silenciosamente se ele havia visto Elrond ou sua filha, já que ambos estavam desaparecidos e tudo estava perturbadoramente silencioso por alí. O elfo ergueu os ombros e meneou a cabeça, voltando sua atenção à conversa que Glorfindel lhe dizia. Certo, então teria de procurá-los. Suspeitava que Celebrían estivesse na biblioteca, lugar onde passava a maior parte de seu tempo lendo contos assustadores sobre elfos sequestrados por Morgoth no início do mundo. Ela detestava aquele tipo de histórias e achava perturbador que sua filha gostasse, mas não a recriminava. Celebrian era estranha assim como o pai e desde criança tinha exatamente as mesmas manias dele. Mas aquele pensamento apenas a deixava mais saudosista, então os afastou.

Procuraria Elrond, uma vez que não pretendia ter de ouvir por horas e horas, teorias sobre vampiros e outras coisas assustadoras relacionadas ao mito do Cuiviénen. Mas acabou por descobrir que aquela não seria uma tarefa fácil e assim como sua filha, Elrond não estava em lugar algum e nenhum dos guardas o viram sair do vale. Inclusive, acharia um absurdo que ele fosse para não se sabe onde sem avisar que estava saindo. Bufou. Teria mesmo de ir à biblioteca, isso considerando que Celebrían estive mesmo lá e não dormindo em cima de algum galho de árvore na mata de pinheiros, como fazia quando criança. 

Subiu até o penúltimo andar, este era menos iluminado que os outros, e embora possuísse janelas altas e abertas por todo o corretor, a Biblioteca possuía uma única janela, grande o suficiente para iluminar grande parte do local, mas deixava sombra na parte próxima à saída, o que era bem conveniente caso a luz do sol começasse a dificultar a leitura. Mas só esteve lá por três vezes durante sua longa estadia no Vau de Imladris, e nas três fora para tentar arrancar Celebrían de lá, caso contrário ela esqueceria até mesmo que tinha uma vida. 

A porta não fez barulho algum quando ela a abriu e considerando o que encontrou ao finalmente entrar na biblioteca, nem uma horda de balrogs faria barulho suficiente para despertar atenção dos dois elfos que lá estavam. Galadriel precisou piscar algumas vezes para ter certeza do que via, se não era seu amigo Elrond e sua filha, aos beijos, encostados em uma pilastra da biblioteca.

— Elrond! — Disse quase involuntariamente e ambos saltaram de susto, virando-se imediatamente para ela.

— Galadriel? — O elfo tratou de afastar-se da filha de sua amiga imediatamente.

— Mãe? — Celebrian disse junto com ele e ficou totalmente vermelha.

— O que…? Por que diabos vocês dois…? Por Eru! O que estão fazendo?!

— Não é o que está pensando. — Elrond se adiantou.

— É exatamente o que eu estou pensando. 

Ela encarou severamente sua filha, que ficou ainda mais vermelha e provavelmente deveria estar querendo ter uma pilha de livros para se esconder embaixo dela. 

— Galadriel, sua filha e eu, nós só… Eu… — Elrond não soube o que dizer. Pudera. Não havia uma explicação para aquilo, além do que já se pudesse deduzir. — Eu a beijei por impulso.

— Claro. Foi isso. — Celebrían o olhou parecendo magoada com o que ele disse, mas voltou sua atenção para mãe.

O olhar azulado de Galadriel ainda estava sobre seu amigo.

— Estava se agarrando com a minha filha! — Disse furiosa. — Sério mesmo, Elrond? Sabe que ela tem idade para ser sua filha, não é?

— Ahn… Ela não é minha filha. 

— Eu sei que não, seu pateta! — Bufou a senhora de Lórien. 

— Mãe, se acalme. 

Galadriel apontou o dedo para ela.

— E você, fique quieta, mocinha. Já vou chegar em você. — Depois voltou-se novamente para Elrond. — Eu praticamente te segurei no colo!

— Bem, você segurou quase todo mundo. — Ele riu. 

— Ah, você se acha engraçado?

— Mãe… — Galadriel levantou a mão indicando que ela esperasse.

— Pensei que fôssemos amigos, Elrond!

— E somos.

— Amigos não ficam se agarrando com as filhas uns dos outros. 

— Nós não estávamos… nos agarrando. — Ele franziu o rosto. Parecia extremamente imoral quando ela dizia isso e ele não seria capaz de ser desrespeitoso com Celebrían. — Foi só um beijo. 

— Isso. Sem nenhuma maldade. — Acrescentou Celebrían.

Galadriel tornou a olhar para ela. Sua expressão não era mais furiosa. Na verdade, apenas havia se assustado com tudo aquilo. Mas então lhe disse:

— Seu pai vai te matar. E vai matar o Elrond logo depois. 

Qualquer dia normal em Rivendell | miniconto Onde histórias criam vida. Descubra agora