VI

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Dominic on

Eram molinhas.

Agora secos, eles estavam por todos os lugares. Volumosos, armados, rebeldes. Cada um para seu lado, contornando o rosto dela de maneira selvagem. Eles não podiam ser domados nem mesmo por ela e Aurora parecia não se importar nem um pouco.

-Ok, então... então a última letra é C?-indagou, tombando a cabeça para o lado e eu pisquei

Fazia CINCO HORAS. CINCO HORAS. Que ela tentava adivinhar meu nome. E as incontáveis vezes em que eu tentei fugir, tudo piorou.

Ela ponderou, juntando as letras em sua mente enquanto batuacava os dedos no chão da caverna.

-Dominic?

Eu não sabia que ouvir meu nome poderia causar tantas coisas. Meu coração parou e se acelerou logo em seguida. Era... porra, era como se pela primeira vez em décadas, alguém me reconhecesse enquanto sujeito. E não como um animal. Uma besta.

Eu era... eu era alguém.

-Seu nome é Dominic, garotão?

Uma piscada. Lenta. Estonteada. Quase que atordoada.

Ela sorriu.

-É um prazer te conhecer-ela pontuou, me oferencendo um sorriso enquanto se erguia do chão da caverna, apenas para curvar seu corpo para frente, em uma reverência desajeitada

Não era como as reverências que eu estava acostumado. Não era aquelas bem trabalhadas, perfeitamente curvadas. Não era aquelas que demarcava limites, reforçando o poder de um único lado. Era uma saudosa. Um cumprimento.

Mas quando eu me ergui, eu a reverenciei propriamente. A pata da frente dobrada, a cabeça curvada em um gesto formal e impecável.

Eu fui recompensado com algo próximo de uma risada que me fez erguer a cabeça apenas para ver aquelas bochechas aveludadas tingidas de um vermelho adorável. Aurora se sentou novamente, estendendo o corpo no chão da caverna. A chama da fogueira acesa no centro da mesma deixava-a ainda mais bonita. O fogo dançava ao redor dela, o laranja e amarelo fazia seus cabelos brilharem e seus olhos refletirem o mais intenso dos brilhos.

O vento lá fora uivava de tão intenso e por vezes ou outra, a água da cachoeira tremulava e respingava para dentro. O corpo antes estirado da mulher se encolheu um pouco e ela recuou, encostando suas costas na parede de pedra antes de soltar um resmungo baixinho.

Eu a encarei confuso, minha cabeça tombando para o lado como eu havia me acostumado a fazer quando tinha uma pergunta a ser feita. Por algum motivo a loira sempre parecia entender extamente o que eu queria dizer. Ela parecia apenas saber quando eu queria ou não dizer algo e, até mesmo, saber o que eu queria dizer vezes ou outras.

-É o frio, garotão-resmungou, esfregando as mãos nos braços

De repente uma onda de compreensão me preencheu. Ela não tinha escamas. Fazia sentido.

Aurora sorriu, como se ela conseguisse entender o que eu pensava

-Não temos tantos músculos como os elfos ao ponto de não sentirmos tanto frio. Nossa gordura nos protege só até certo ponto, mas como você bem sabe, não dava para engordar muito comendo as bobagens que aqueles feiticeiros horríveis nos forneciam-ela resmungou e eu concordei ativamente

Chegue perto cachinhos.

Eu quis dizer, mas eu não pude. Tudo que fiz foi encara-la intensamente antes de olhar para baixo, próximo a mim. Eu me acomodei próximo ao fogo e fiz sinal com a cabeça esperando que ela entendesse.

-Você... você tem certeza?-ela indagou e eu pisquei uma única vez- Eu prometo que não vou tentar te matar com nada pontiagudo garotão

Sua fala, entretanto, foi tudo que eu precisava para erguer a cabeça de maneira súbita e alerta. Minhas pupilas reduziram de tamanho, meus dentes se mostraram ao mesmo tempo que um rosnado baixo escapava de mim.

Sera que ela sabia? Será que ela sabia sobre nossas fraquezas?

Sobre como cobre feria a maioria de nós e a prata acabava com a realeza?

Aurora se ergueu em um pulo, suas mãos indo espalmadas para o alto em sinal de rendição. Eu me ergui lentamente, sem tirar os olhos dela.

Ela tinha me enganado?

Seria ela uma bruxa?

Não... ela era característica demais. Humana com certeza.

Mas eles podem tê-la contratado. Bolado um plano.

Isso explicaria tudo.

Ela tinha me iludido. Me enganado. Me feito acreditar que alguém nessa porra poderia me entender e-

-Dominic, por favor-seu sussurro e sua voz surpreendentemente próxima a mim me fez ver através da nuvem de raiva e do vermelho que nublavam minha visão

Meus dentes estavam a milímetros de seu rosto, prendendo-a entre mim e a parede da caverna. Minha respiração ofegante fazia os cabelos dela voarem enquanto suas costas estavam prensadas contra a parede gelada. Aurora engoliu, seus olhos se cravando nos meus com nem um resquício de medo, mas permeados de preocupação.

-Eu não sou um dos caras maus, esquentadinho-ela sussurrou, mas eu rosnei em sua direção- Objetos pontiagudos? Foi isso que te alertou? Eu não sei muito sobre muita coisa, garotão, mas sei que nada nesse mundo é impenetrável, imortal. Não preciso de muito para saber que vocês tem uma fraqueza

Eu não sei se acreditava nela.

-Foi um tiro no escuro. Eu nunca machucaria você. Eu... poxa, eu sei que sua espécie tem um ponto fraco, mas não é nada que os livros explicitamente expliquem, então relaxe! Eu... eu não estou te entendendo-agora sua voz havia saído aflita enquanto ela fechava os olhos-Eu não consigo entender toda sua desconfiança, garotão.

Eu não confio em você.

Algo em Aurora mudou quando ela encarou meus olhos pela segunda vez. Algo transitou fortemente e pesadamente neles, como se ela se lembrasse de algo muito importante.

-Você não me matou quando teve a chance. Não me deixou quando teve a chance. Você cuidou de mim ao invés de me jogar aos lobos. Você sente que tem uma dívida comigo, mas não tem. Tudo que eu sempre quis foi morrer nos meus termos, Dominic. Então se você for em frente agora e resolver acabar com isso, ótimo. Eu ainda estarei indo nos meus termos. Mas não me coloque contra a parede e haja desse jeito porque eu não sou o tipo de pessoa que pode ser encurralada e ameaçada. Se você me acha uma ameaça, eu fico lisonjeada, mas te dou um conselho: eu não durmo ao lado do inimigo. Eu não converso com eles. Não sorrio para eles. Eu acabo com eles. Você não é meu adversário, então por favor, não se torne um. Por favor, Dominic não torne o único ser que eu verdadeiramente quero chamar de amigo alguém que eu terei de lutar contra

Eu balancei a cabeça com força, como se isso pudesse afastar a turbulência de meus pensamentos.

Eu não poderia ficar ali. Não naquela noite.

Eu simplesmente alcei voo para longe dali.

Todos esses anos preso estavam me deixando insano, desconfiado e completamente maluco.

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